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LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL

  LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL                                                       PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE MOREIRA Resumo Este artigo analisa, sob uma perspectiva jurídico-doutrinária e jurisprudencial, a Lei nº 15.122/2025 — conhecida como Lei da Reciprocidade Econômica — e o decreto presidencial que a regulamentou, publicado em 14 de Julho de 2025. Trata-se de um marco normativo na estrutura de defesa comercial brasileira, que permite a aplicação de medidas de retaliaç...

A Perda de uma Chance como Dano Autônomo de Efetividade Constitucional: Uma Releitura da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro

 

A Perda de uma Chance como Dano Autônomo de Efetividade Constitucional: Uma Releitura da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro

Professor Carlos Alexandre Moreira

Resumo

Este artigo propõe uma reinterpretação da teoria da perda de uma chance no âmbito da responsabilidade civil brasileira, reconhecendo-a como um dano autônomo de matriz constitucional. A abordagem tradicional, que exige a demonstração de alta probabilidade de obtenção do resultado final, é criticada por restringir a tutela jurídica de expectativas legítimas. A nova perspectiva fundamenta-se nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção da confiança legítima e da função social das relações jurídicas, propondo uma mudança paradigmática na forma como o Poder Judiciário julga casos relacionados à perda de oportunidades.

Palavras-chave: Responsabilidade civil; Perda de uma chance; Dano autônomo; Dignidade da pessoa humana; Expectativas legítimas.

Abstract

This article proposes a reinterpretation of the loss of chance theory within Brazilian civil liability, recognizing it as an autonomous damage of constitutional origin. The traditional approach, which requires demonstrating a high probability of achieving the final result, is criticized for restricting the legal protection of legitimate expectations. The new perspective is based on constitutional principles such as human dignity, protection of legitimate trust, and the social function of legal relationships, proposing a paradigm shift in how the Judiciary adjudicates cases related to lost opportunities.

Keywords: Civil liability; Loss of chance; Autonomous damage; Human dignity; Legitimate expectations.


Sumário

1.     Introdução

2.     Fundamentos Legais e Constitucionais

3.     Doutrina Jurídica

4.     Jurisprudência Nacional

5.     Direito Comparado

6.     Aplicações Práticas no Direito Brasileiro

7.     Conclusão

8.     Referências


1. Introdução

A teoria da perda de uma chance, originária do Direito francês (la perte d'une chance), tem sido objeto de debates e aplicações no Direito brasileiro, especialmente no campo da responsabilidade civil. Tradicionalmente, sua aplicação exige a demonstração de que a conduta ilícita do agente causou a perda de uma oportunidade real e séria de obtenção de um benefício ou de evitar um prejuízo. No entanto, essa abordagem tem se mostrado limitada, ao não considerar adequadamente os princípios constitucionais que regem as relações jurídicas no Brasil.


2. Fundamentos Legais e Constitucionais

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Além disso, o artigo 5º, nos incisos V e X, assegura o direito à indenização por dano material e moral decorrente da violação de direitos. O artigo 170, caput, destaca a justiça social e a livre iniciativa. Esses dispositivos indicam a necessidade de uma interpretação da responsabilidade civil que vá além da mera análise da probabilidade de obtenção do resultado final, reconhecendo a proteção de expectativas legítimas como um valor jurídico relevante.

No âmbito infraconstitucional, o Código Civil de 2002, em seus artigos 186 e 927, trata da responsabilidade civil por ato ilícito, estabelecendo a obrigação de reparar o dano causado. O artigo 422 consagra o princípio da boa-fé objetiva, impondo às partes o dever de lealdade e confiança mútua nas relações contratuais.


3. Doutrina Jurídica

A doutrina brasileira tem reconhecido a importância da teoria da perda de uma chance na proteção de expectativas legítimas. Autores como Antônio Jeová Santos sustentam que a perda de uma chance pode ser considerada um dano moral futuro, passível de indenização quando a chance perdida era séria e provável. Outros doutrinadores destacam que a chance perdida integra o patrimônio jurídico da vítima, possuindo valor econômico e, portanto, sendo suscetível de reparação.

No entanto, a exigência de demonstração da alta probabilidade de obtenção do resultado final tem sido objeto de críticas, por restringir a proteção de expectativas legítimas e não considerar adequadamente os princípios constitucionais envolvidos.


4. Jurisprudência Nacional

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aplicado a teoria da perda de uma chance em diversas situações, como em casos de erro médico, falha na prestação de serviços advocatícios e concursos públicos. No REsp 1.291.247, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou que a característica essencial da perda de uma chance é a certeza da probabilidade, sendo a chance a possibilidade de um benefício futuro provável, cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar esse benefício possível.

No entanto, a jurisprudência ainda exige a demonstração de que a chance perdida era séria e real, afastando a reparação em casos de simples esperança subjetiva ou expectativa aleatória.


5. Direito Comparado

No Direito francês, a teoria da perda de uma chance é amplamente reconhecida, sendo aplicada desde o final do século XIX. A jurisprudência francesa reconhece a existência de um dano certo e específico pela perda de uma chance, determinando o arbitramento da indenização em conformidade com a maior ou menor probabilidade de sucesso.

Na Itália, a Corte de Cassação reconheceu, em 1983, a aplicação da teoria da perda de uma chance em casos de processos seletivos para emprego, quando candidatos foram impedidos de participar de etapas do processo de admissão.


6. Aplicações Práticas no Direito Brasileiro

A reinterpretação da teoria da perda de uma chance como dano autônomo de efetividade constitucional permite sua aplicação em diversas áreas do Direito brasileiro:

  • Responsabilidade civil médica: em casos de alta hospitalar indevida que impede a continuidade do tratamento e resulta em agravamento do estado de saúde do paciente.
  • Responsabilidade civil advocatícia: quando a negligência do advogado impede o cliente de obter uma decisão judicial favorável.
  • Concursos públicos: em situações em que falhas na organização do certame impedem o candidato de participar ou de ter sua prova corrigida adequadamente.
  • Relações contratuais: quando a conduta de uma das partes frustra a expectativa legítima de obtenção de uma vantagem econômica.
  • Direito do trabalho: em casos de retenção indevida da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), que impede o trabalhador de obter novo emprego.

7. Conclusão

A reinterpretação da teoria da perda de uma chance como dano autônomo de efetividade constitucional representa uma evolução na responsabilidade civil brasileira, alinhando-a aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção da confiança legítima e da função social das relações jurídicas. Essa abordagem permite uma tutela mais ampla e efetiva das expectativas legítimas, promovendo maior justiça nas relações jurídicas e contribuindo para a segurança jurídica e a confiança nas instituições.


Referências

1.     SANTOS, Antônio Jeová. Perda de chance (responsabilidade civil). Enciclopédia Jurídica da PUC-SP.

2.     ALMEIDA, Eduardo Vieira de; VAUGHN, Gustavo Favero. Teoria da perda de uma chance e o entendimento do STJ. Migalhas, 2020.

3.     SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Oportunidades perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ. 2020.¹⁰

4.     GAUDEMET, Yves. Responsabilité civile – 12ª ed. Paris: Dalloz, 2020. O autor francês é um dos expoentes da doutrina sobre a “perte d’une chance”, afirmando que a chance é, em si, um bem jurídico dotado de valor indenizável, desde que sua perda seja real, séria e não meramente hipotética.¹¹

5.     MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Léon; MAZEAUD, Jean. Leçons de droit civil – La responsabilité civile délictuelle. Paris: Montchrestien, 2008. A doutrina francesa tradicional reconhece, desde os anos 1920, a autonomia do dano de chance, tratando-o como perda econômica mensurável com base na probabilidade racional do resultado perdido.¹²

6.     MAGLIA, Gino. Il danno da perdita di chance nella giurisprudenza italiana. Milano: Giuffrè, 2017. O autor apresenta os marcos jurisprudenciais da Corte di Cassazione italiana, destacando a evolução da responsabilização por perda de oportunidade em ambiente profissional e contratual.¹³

7.     DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, vol. 7. 32ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022. A autora identifica a chance como expectativa objetiva, autônoma em relação ao resultado final, cuja frustração por fato de terceiro gera responsabilidade.¹⁴

8.     TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, vol. único. 8ª ed. São Paulo: Método, 2023. Tartuce destaca a aplicabilidade da perda de uma chance no sistema do Código Civil brasileiro, especialmente no contexto do art. 927 e sua ampliação interpretativa à luz da função social da responsabilidade.¹⁵

9.     ROSA, Alexandre Morais da. Jurimetria e responsabilidade civil: modelagem de decisões sobre perda de uma chance. Florianópolis: Empório do Direito, 2019. O autor propõe uso de técnicas quantitativas para aferição do grau de probabilidade da chance perdida, visando padronização da jurisprudência.¹⁶

10. NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. O jurista propõe uma leitura principiológica da responsabilidade civil, fundamentada na ética das consequências e no papel integrativo da boa-fé objetiva.¹⁷


Notas de Rodapé

- STJ. Oportunidades perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ. 2020.
- GAUDEMET, Yves. Responsabilité civile. Paris: Dalloz, 2020.
- MAZEAUD, Henri et al. Leçons de droit civil. Paris: Montchrestien, 2008.
- MAGLIA, Gino. Il danno da perdita di chance. Milano: Giuffrè, 2017.
- DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2022.
- TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2023.
- ROSA, Alexandre Morais da. Jurimetria e responsabilidade civil. Florianópolis: Empório do Direito, 2019.
- NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2023.


Bibliografia Completa

  • DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2022.
  • GAUDEMET, Yves. Responsabilité civile. Paris: Dalloz, 2020.
  • MAGLIA, Gino. Il danno da perdita di chance nella giurisprudenza italiana. Milano: Giuffrè, 2017.
  • MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Léon; MAZEAUD, Jean. Leçons de droit civil – La responsabilité civile délictuelle. Paris: Montchrestien, 2008.
  • NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
  • ROSA, Alexandre Morais da. Jurimetria e responsabilidade civil: modelagem de decisões sobre perda de uma chance. Florianópolis: Empório do Direito, 2019.
  • SANTOS, Antônio Jeová. Perda de chance (responsabilidade civil). Enciclopédia Jurídica da PUC-SP.
  • SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Oportunidades perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ. Brasília: STJ, 2020.
  • TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, vol. único. São Paulo: Método, 2023.
  • VIEIRA DE ALMEIDA, Eduardo; VAUGHN, Gustavo. Teoria da perda de uma chance e o entendimento do STJ. Migalhas, 2020.

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