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A Perda de uma Chance como Dano Autônomo de Efetividade Constitucional: Uma Releitura da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro
A Perda
de uma Chance como Dano Autônomo de Efetividade Constitucional: Uma Releitura
da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro
Professor Carlos Alexandre Moreira
Resumo
Este artigo propõe uma
reinterpretação da teoria da perda de uma chance no âmbito da responsabilidade civil
brasileira, reconhecendo-a como um dano autônomo de matriz constitucional. A
abordagem tradicional, que exige a demonstração de alta probabilidade de
obtenção do resultado final, é criticada por restringir a tutela jurídica de
expectativas legítimas. A nova perspectiva fundamenta-se nos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção da confiança
legítima e da função social das relações jurídicas, propondo uma mudança
paradigmática na forma como o Poder Judiciário julga casos relacionados à perda
de oportunidades.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; Perda
de uma chance; Dano autônomo; Dignidade da pessoa humana; Expectativas
legítimas.
Abstract
This article proposes a
reinterpretation of the loss of chance theory within Brazilian civil liability,
recognizing it as an autonomous damage of constitutional origin. The
traditional approach, which requires demonstrating a high probability of
achieving the final result, is criticized for restricting the legal protection
of legitimate expectations. The new perspective is based on constitutional
principles such as human dignity, protection of legitimate trust, and the
social function of legal relationships, proposing a paradigm shift in how the
Judiciary adjudicates cases related to lost opportunities.
Keywords: Civil liability; Loss of
chance; Autonomous damage; Human dignity; Legitimate expectations.
Sumário
1. Introdução
2. Fundamentos Legais e Constitucionais
3. Doutrina Jurídica
4. Jurisprudência Nacional
5. Direito Comparado
6. Aplicações Práticas no Direito
Brasileiro
7. Conclusão
8. Referências
1. Introdução
A teoria da perda de uma chance,
originária do Direito francês (la perte d'une chance), tem sido objeto
de debates e aplicações no Direito brasileiro, especialmente no campo da
responsabilidade civil. Tradicionalmente, sua aplicação exige a demonstração de
que a conduta ilícita do agente causou a perda de uma oportunidade real e séria
de obtenção de um benefício ou de evitar um prejuízo. No entanto, essa
abordagem tem se mostrado limitada, ao não considerar adequadamente os
princípios constitucionais que regem as relações jurídicas no Brasil.
2. Fundamentos Legais e Constitucionais
A Constituição Federal de 1988
estabelece, em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como um
dos fundamentos da República. Além disso, o artigo 5º, nos incisos V e X,
assegura o direito à indenização por dano material e moral decorrente da
violação de direitos. O artigo 170, caput,
destaca a justiça social e a livre iniciativa. Esses dispositivos indicam a
necessidade de uma interpretação da responsabilidade civil que vá além da mera
análise da probabilidade de obtenção do resultado final, reconhecendo a
proteção de expectativas legítimas como um valor jurídico relevante.
No âmbito infraconstitucional, o
Código Civil de 2002, em seus artigos 186 e 927, trata da responsabilidade
civil por ato ilícito, estabelecendo a obrigação de reparar o dano causado. O
artigo 422 consagra o princípio da boa-fé objetiva, impondo às partes o dever
de lealdade e confiança mútua nas relações contratuais.
3. Doutrina Jurídica
A doutrina brasileira tem
reconhecido a importância da teoria da perda de uma chance na proteção de
expectativas legítimas. Autores como Antônio Jeová Santos sustentam que a perda
de uma chance pode ser considerada um dano moral futuro, passível de indenização
quando a chance perdida era séria e provável. Outros doutrinadores destacam que
a chance perdida integra o patrimônio jurídico da vítima, possuindo valor
econômico e, portanto, sendo suscetível de reparação.
No entanto, a exigência de
demonstração da alta probabilidade de obtenção do resultado final tem sido
objeto de críticas, por restringir a proteção de expectativas legítimas e não
considerar adequadamente os princípios constitucionais envolvidos.
4. Jurisprudência Nacional
O Superior Tribunal de Justiça
(STJ) tem aplicado a teoria da perda de uma chance em diversas situações, como
em casos de erro médico, falha na prestação de serviços advocatícios e
concursos públicos. No REsp 1.291.247, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
destacou que a característica essencial da perda de uma chance é a certeza da
probabilidade, sendo a chance a possibilidade de um benefício futuro provável,
cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar
esse benefício possível.
No entanto, a jurisprudência
ainda exige a demonstração de que a chance perdida era séria e real, afastando
a reparação em casos de simples esperança subjetiva ou expectativa aleatória.
5. Direito Comparado
No Direito francês, a teoria da
perda de uma chance é amplamente reconhecida, sendo aplicada desde o final do
século XIX. A jurisprudência francesa reconhece a existência de um dano certo e
específico pela perda de uma chance, determinando o arbitramento da indenização
em conformidade com a maior ou menor probabilidade de sucesso.
Na Itália, a Corte de Cassação
reconheceu, em 1983, a aplicação da teoria da perda de uma chance em casos de
processos seletivos para emprego, quando candidatos foram impedidos de
participar de etapas do processo de admissão.
6. Aplicações Práticas no Direito Brasileiro
A reinterpretação da teoria da
perda de uma chance como dano autônomo de efetividade constitucional permite
sua aplicação em diversas áreas do Direito brasileiro:
- Responsabilidade
civil médica: em
casos de alta hospitalar indevida que impede a continuidade do tratamento
e resulta em agravamento do estado de saúde do paciente.
- Responsabilidade
civil advocatícia: quando a negligência do advogado impede o
cliente de obter uma decisão judicial favorável.
- Concursos
públicos: em
situações em que falhas na organização do certame impedem o candidato de
participar ou de ter sua prova corrigida adequadamente.
- Relações
contratuais: quando
a conduta de uma das partes frustra a expectativa legítima de obtenção de
uma vantagem econômica.
- Direito
do trabalho: em
casos de retenção indevida da Carteira de Trabalho e Previdência Social
(CTPS), que impede o trabalhador de obter novo emprego.
7. Conclusão
A reinterpretação da teoria da
perda de uma chance como dano autônomo de efetividade constitucional representa
uma evolução na responsabilidade civil brasileira, alinhando-a aos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção da confiança
legítima e da função social das relações jurídicas. Essa abordagem permite uma
tutela mais ampla e efetiva das expectativas legítimas, promovendo maior
justiça nas relações jurídicas e contribuindo para a segurança jurídica e a
confiança nas instituições.
Referências
1. SANTOS, Antônio Jeová. Perda
de chance (responsabilidade civil). Enciclopédia Jurídica da PUC-SP.
2. ALMEIDA, Eduardo Vieira de;
VAUGHN, Gustavo Favero. Teoria da perda de uma chance e o entendimento do
STJ. Migalhas, 2020.
3. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Oportunidades
perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ.
2020.¹⁰
4. GAUDEMET, Yves. Responsabilité civile –
12ª ed. Paris: Dalloz, 2020. O autor francês é um dos expoentes da doutrina
sobre a “perte d’une chance”, afirmando que a chance é, em si, um bem jurídico
dotado de valor indenizável, desde que sua perda seja real, séria e não
meramente hipotética.¹¹
5. MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Léon;
MAZEAUD, Jean. Leçons
de droit civil – La responsabilité civile délictuelle. Paris:
Montchrestien, 2008. A doutrina francesa tradicional reconhece, desde os anos
1920, a autonomia do dano de chance, tratando-o como perda econômica mensurável
com base na probabilidade racional do resultado perdido.¹²
6. MAGLIA, Gino. Il danno da perdita di chance
nella giurisprudenza italiana. Milano: Giuffrè, 2017. O autor apresenta os
marcos jurisprudenciais da Corte di Cassazione italiana, destacando a evolução
da responsabilização por perda de oportunidade em ambiente profissional e
contratual.¹³
7. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil
Brasileiro – Responsabilidade Civil, vol. 7. 32ª ed. São Paulo: Saraiva,
2022. A autora identifica a chance como expectativa objetiva, autônoma em
relação ao resultado final, cuja frustração por fato de terceiro gera
responsabilidade.¹⁴
8. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil,
vol. único. 8ª ed. São Paulo: Método, 2023. Tartuce destaca a aplicabilidade da
perda de uma chance no sistema do Código Civil brasileiro, especialmente no
contexto do art. 927 e sua ampliação interpretativa à luz da função social da
responsabilidade.¹⁵
9. ROSA, Alexandre Morais da. Jurimetria e responsabilidade
civil: modelagem de decisões sobre perda de uma chance. Florianópolis:
Empório do Direito, 2019. O autor propõe uso de técnicas quantitativas para
aferição do grau de probabilidade da chance perdida, visando padronização da
jurisprudência.¹⁶
10. NADER, Paulo. Curso de Direito Civil –
Responsabilidade Civil. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. O jurista
propõe uma leitura principiológica da responsabilidade civil, fundamentada na
ética das consequências e no papel integrativo da boa-fé objetiva.¹⁷
Notas de Rodapé
- STJ. Oportunidades
perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ.
2020.
- GAUDEMET, Yves. Responsabilité civile. Paris: Dalloz, 2020.
- MAZEAUD, Henri et al. Leçons de droit civil. Paris: Montchrestien,
2008.
- MAGLIA, Gino. Il danno da perdita di chance. Milano: Giuffrè, 2017.
- DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 7. São
Paulo: Saraiva, 2022.
- TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2023.
- ROSA, Alexandre Morais da. Jurimetria e responsabilidade civil.
Florianópolis: Empório do Direito, 2019.
- NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
Bibliografia Completa
- DINIZ, Maria Helena. Curso
de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, vol. 7. São
Paulo: Saraiva, 2022.
- GAUDEMET, Yves. Responsabilité
civile. Paris: Dalloz, 2020.
- MAGLIA, Gino. Il danno da
perdita di chance nella giurisprudenza italiana. Milano: Giuffrè,
2017.
- MAZEAUD, Henri; MAZEAUD,
Léon; MAZEAUD, Jean. Leçons de droit civil – La responsabilité civile
délictuelle. Paris: Montchrestien, 2008.
- NADER, Paulo. Curso de
Direito Civil – Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
- ROSA, Alexandre Morais da. Jurimetria
e responsabilidade civil: modelagem de decisões sobre perda de uma chance.
Florianópolis: Empório do Direito, 2019.
- SANTOS, Antônio Jeová. Perda
de chance (responsabilidade civil). Enciclopédia Jurídica da PUC-SP.
- SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(STJ). Oportunidades perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda
de uma chance no STJ. Brasília: STJ, 2020.
- TARTUCE, Flávio. Manual
de Direito Civil, vol. único. São Paulo: Método, 2023.
- VIEIRA DE ALMEIDA, Eduardo;
VAUGHN, Gustavo. Teoria da perda de uma chance e o entendimento do STJ.
Migalhas, 2020.
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