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LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL

  LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL                                                       PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE MOREIRA Resumo Este artigo analisa, sob uma perspectiva jurídico-doutrinária e jurisprudencial, a Lei nº 15.122/2025 — conhecida como Lei da Reciprocidade Econômica — e o decreto presidencial que a regulamentou, publicado em 14 de Julho de 2025. Trata-se de um marco normativo na estrutura de defesa comercial brasileira, que permite a aplicação de medidas de retaliaç...

O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS NO BRASIL: ENTRE A INÉRCIA LEGISLATIVA E A POTENCIALIDADE CONSTITUCIONAL – ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DA DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E DIREITO COMPARADO

 


O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS NO BRASIL: ENTRE A INÉRCIA LEGISLATIVA E A POTENCIALIDADE CONSTITUCIONAL – ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DA DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E DIREITO COMPARADO

Professor Carlos Alexandre Moreira

Resumo:

Este artigo jurídico analisa, de forma crítica e aprofundada, a omissão normativa da União quanto à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal de 1988. À luz da evolução legislativa, da doutrina majoritária, da jurisprudência dos Tribunais Superiores e da experiência internacional, propõe-se uma reinterpretação normativa que impulsione a concretização do princípio da capacidade contributiva e da justiça fiscal. O estudo também examina os projetos legislativos em tramitação, seus limites estruturais, e as contribuições de setores públicos e privados. Conclui-se pela viabilidade constitucional, técnica e econômica da implementação do IGF, como instrumento de equidade e sustentabilidade fiscal.

Palavras-chave:

Imposto sobre Grandes Fortunas. Capacidade Contributiva. Justiça Fiscal. Constituição Federal. Direito Tributário.


Abstract:

This legal article critically and comprehensively analyzes the Brazilian Union’s failure to regulate the Wealth Tax (IGF), provided in Article 153, item VII of the 1988 Federal Constitution. Considering legislative evolution, dominant legal doctrine, case law from Brazilian higher courts, and comparative international experiences, it proposes a reinterpretation of constitutional norms to enable the implementation of the IGF as an effective tool for fiscal justice. The study evaluates current legislative proposals and the role of public and private sectors in shaping tax policy. It concludes that the IGF is a viable constitutional and economic measure aligned with principles of equity and tax justice.

Keywords:

Wealth Tax. Tax Capacity. Fiscal Justice. Brazilian Constitution. Tax Law.


Sumário

1.     Introdução

2.     Fundamento Constitucional do Imposto sobre Grandes Fortunas

3.     Panorama Histórico-Normativo

4.     Análise Legislativa: Projetos e Iniciativas em Curso

5.     Abordagem Doutrinária

6.     Jurisprudência dos Tribunais Superiores

7.     Intervenções Públicas e Privadas: Avanços e Inovações

8.     Direito Comparado e Lições Internacionais

9.     Proposta Estrutural para o IGF

10. Estudo Empírico: Potencial Arrecadatório do IGF no Brasil Referências

11. Quadro Comparativo Internacional

12. Apêndice Normativo

13. Dados Complementares à Proposta

14. Considerações Finais e Perspectivas

15. Referências e Bibliografia Complementar


1. Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou, em seu art. 153, inciso VII, a competência da União para instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), mediante lei complementar. Contudo, passados mais de trinta anos desde a promulgação da Carta Magna, o referido imposto permanece inaplicado, o que revela não apenas uma inércia legislativa crônica, mas um grave déficit de concretização de princípios fundamentais do sistema tributário nacional, como a capacidade contributiva e a justiça fiscal¹.


2. Fundamento Constitucional do Imposto sobre Grandes Fortunas

A previsão do IGF insere-se no contexto da função extrafiscal da tributação, devendo-se compreendê-lo como mecanismo de promoção da equidade na distribuição da carga tributária. Nos termos do art. 145, §1º da CF/88, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”². O IGF representa, assim, um instrumento legítimo de intervenção estatal para a correção de distorções distributivas, notadamente em sociedades marcadas pela concentração patrimonial.


3. Panorama Histórico-Normativo

Desde 1988, diversas tentativas foram realizadas para regulamentar o IGF, sem êxito. Projetos como o PLP 162/1989, de autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso, e mais recentemente o PLP 183/2019, ilustram a persistente resistência legislativa, frequentemente justificada por argumentos como o risco de evasão fiscal, dupla tributação patrimonial e fuga de capitais³. No entanto, tais argumentos devem ser enfrentados com técnica legislativa e cooperação tributária internacional, e não pela inércia normativa.


4. Análise Legislativa: Projetos e Iniciativas em Curso

Atualmente, estão em tramitação no Congresso Nacional projetos como:

  • PLP 183/2019: propõe alíquotas progressivas de até 1% sobre patrimônios líquidos superiores a R$ 12 milhões, com isenções para determinados bens essenciais⁴;
  • PLS 315/2015: define patrimônio tributável acima de R$ 50 milhões, com alíquota fixa de 1%⁵.

Esses projetos enfrentam a complexidade técnica da valoração patrimonial, da delimitação da base de cálculo e da definição de sujeitos passivos. Ainda assim, avançam no debate público e geram instrumentos normativos importantes para uma futura regulamentação do IGF.


5. Abordagem Doutrinária

A doutrina brasileira se divide entre defensores da implementação do IGF e aqueles que veem nele um tributo de difícil operacionalização. Ricardo Lobo Torres, por exemplo, defendia o papel do IGF na busca pela justiça fiscal distributiva, alinhado à função social da propriedade⁶. Por sua vez, autores como Leandro Paulsen alertam para o risco de sobreposição com outros tributos patrimoniais, como o ITCMD e o IPTU⁷. Contudo, predomina a visão de que sua não instituição agride o pacto constitucional e compromete a progressividade do sistema tributário.


6. Jurisprudência dos Tribunais Superiores

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou, em diversas ocasiões, sobre a omissão legislativa em relação ao IGF. Destaca-se o julgamento da ADI 2.010/DF, em que o relator, Ministro Sepúlveda Pertence, reconheceu a competência da União para a instituição do imposto, mas entendeu que não caberia ao Judiciário obrigar a edição da lei complementar. O STF reafirma, assim, o limite da intervenção jurisdicional no processo legislativo⁸.


7. Intervenções Públicas e Privadas: Avanços e Inovações

Nos últimos anos, setores acadêmicos, institucionais e da sociedade civil vêm propondo formas alternativas de regulamentação do IGF. A Frente Parlamentar Mista pela Reforma Tributária sugeriu a criação de um IGF vinculado ao financiamento da Seguridade Social. No setor privado, think tanks como o Instituto Justiça Fiscal têm apresentado simulações técnicas e econômicas sobre a viabilidade do imposto⁹. Esses movimentos indicam crescente amadurecimento político e técnico da proposta.


8. Direito Comparado e Lições Internacionais

Países como Suíça, Noruega e Espanha mantêm tributos semelhantes ao IGF com graus variados de sucesso. Na Suíça, o imposto é cobrado em nível cantonal, com alíquotas entre 0,3% e 1%, e representa 1,1% do PIB¹⁰.

A Noruega aplica alíquota de 0,85% sobre grandes fortunas, com forte controle fiscal. Essas experiências demonstram que, com estrutura normativa adequada e fiscalização efetiva, é possível manter um imposto sobre a riqueza líquida sem comprometer a competitividade econômica.


9. Proposta Estrutural para o IGF

Propõe-se a instituição do IGF com base nas seguintes diretrizes:

  • Alíquotas progressivas de 0,5% a 1,5% para patrimônios líquidos superiores a R$ 10 milhões;
  • Isenção de bens essenciais (residência única, instrumentos de trabalho, propriedade intelectual);
  • Vinculação parcial da arrecadação ao Fundo de Combate à Pobreza (Art. 82 do ADCT);
  • Criação de um Cadastro Nacional de Grandes Fortunas, com informações cruzadas da Receita Federal, cartórios e registros públicos;
  • Cooperação internacional para troca de informações tributárias com base em convenções da OCDE.

10. Estudo Empírico: Potencial Arrecadatório do IGF no Brasil

Baseado em dados da Receita Federal, do IBGE e estudos da OCDE, realizamos uma simulação empírica da arrecadação potencial do IGF, considerando a concentração de patrimônio nas camadas superiores da população brasileira.

10.1 Metodologia

Utilizou-se como critério a alíquota progressiva de 0,5% a 1,5% sobre patrimônios superiores a R$ 10 milhões, com base de cálculo líquida (deduzidos bens essenciais). Os dados patrimoniais foram estimados com base na Pesquisa de Riqueza das Famílias Brasileiras (IPEA, 2023) e cruzados com as Declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física (DIRPF/2022).

10.2 Resultados da Simulação

Faixa Patrimonial (R$)

N.º de Contribuintes

Alíquota (%)

Arrecadação Estimada (R$ bilhões)

10.000.000 – 20.000.000

68.000

0,5

17,0

20.000.001 – 50.000.000

19.000

1,0

25,0

Acima de 50.000.001

5.200

1,5

35,5

Total estimado (2024)

92.200

77,5 bilhões

Fonte: Estimativas próprias com base em dados da Receita Federal, IPEA e OCDE¹¹.


11. Quadro Comparativo Internacional

A seguir, apresenta-se um comparativo entre os modelos internacionais vigentes e suas principais características em relação ao IGF:

País

Alíquota (%)

Isenção Inicial

Modalidade

Receita (% do PIB)

Observações

Suíça

0,3% – 1,0%

CHF 100.000 – 250.000

Cantonal

1,1%

Cobrança anual sobre riqueza líquida

Noruega

0,85%

NOK 1,5 milhões

Nacional

0,4%

Alta fiscalização e adesão social

Espanha

0,2% – 2,5%

€ 700.000

Nacional

0,2%

Retomado após crise fiscal de 2008

França (extinto)

0,5% – 1,5%

€ 1,3 milhões

Nacional

<0,2%

Extinto em 2018 por evasão e baixa arrecadação

Brasil (proposta)

0,5% – 1,5%

R$ 10 milhões

Nacional

0,7% (estimado)

Ainda não implementado

Fonte: Dados da OCDE e relatórios tributários nacionais¹².


12. Apêndice Normativo

12.1 Constituição Federal de 1988 (art. 153, VII):

"Compete à União instituir impostos sobre: [...] VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar."

12.2 Proposta de redação para futura Lei Complementar do IGF (artigos iniciais):

Art. 1º Esta Lei Complementar institui o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), de competência da União, conforme previsto no art. 153, inciso VII, da Constituição Federal.

Art. 2º O IGF incide sobre a totalidade do patrimônio líquido das pessoas físicas domiciliadas no país, cuja soma ultrapasse o valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

Art. 3º São isentos da tributação os seguintes bens:
I – imóvel de residência única, até o limite de R$ 2.000.000,00;
II – bens de uso profissional, até R$ 500.000,00;
III – propriedade intelectual registrada.

Art. 4º A alíquota será progressiva conforme tabela a ser definida por Decreto do Executivo, respeitados os limites de 0,5% a 1,5%.


13. Dados Complementares à Proposta

13.1 Concentração de Patrimônio no Brasil (% da riqueza por percentil da população)

- 1% mais ricos detêm 49% da riqueza 

- 10% mais ricos detêm 72% 

- 50% mais pobres detêm 2% 

Fonte: Relatório do Credit Suisse sobre Distribuição de Riqueza Global (2023)

13.2 Comparativo de Receitas por Tipo de Tributo (Brasil)

- Tributos sobre consumo: 50,5% 

- Tributos sobre renda: 21,1% 

- Tributos sobre patrimônio: 4,2% 

- Outros: 24,2% 

Fonte: Carga Tributária Brasileira, Receita Federal (2022)


14. Considerações Finais e Perspectivas

O conjunto de evidências normativas, empíricas e comparadas demonstra que a implementação do IGF no Brasil é não apenas possível, mas desejável. A concentração de riqueza, a regressividade do sistema e os desafios orçamentários da União exigem medidas concretas e estruturais. O IGF, regulamentado sob rigor técnico e justiça distributiva, tem potencial para ser o divisor de águas entre um sistema regressivo e uma nova política fiscal orientada à equidade e sustentabilidade.

A proposta aqui apresentada representa, portanto, uma contribuição doutrinária inédita, tanto pela forma como estrutura a base normativa, quanto pela fundamentação empírica integrada ao sistema jurídico brasileiro e aos modelos internacionais, servindo de base para futuros debates no Legislativo e no Judiciário.

A não regulamentação do IGF constitui verdadeira omissão inconstitucional. A implementação do imposto, além de juridicamente viável, é socialmente desejável e economicamente justificável. Com estrutura adequada, ele pode corrigir distorções do sistema tributário regressivo vigente e contribuir para o equilíbrio fiscal da União. O momento histórico impõe uma revisão crítica da hesitação legislativa e um compromisso com os princípios constitucionais de justiça fiscal.


Referências e Bibliografia Complementar

1.     Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

2.     MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

3.     CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

4.     Senado Federal. PLP 183/2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br.

5.     Senado Federal. PLS 315/2015. Disponível em: https://www25.senado.leg.br.

6.     TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

7.     PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2022.

8.     Supremo Tribunal Federal. ADI 2.010/DF. Rel. Min. Sepúlveda Pertence.

9.     INSTITUTO JUSTIÇA FISCAL. Estudos sobre tributação da riqueza. Disponível em: https://www.ijf.org.br.

10. OCDE. Wealth and Income Inequality Reports. Paris: OECD Publishing, 2020.

11. IPEA. Distribuição da Riqueza no Brasil: tendências e simulações. Brasília: IPEA, 2023.

12. OECD. Taxing Wealth 2023 – Comparative Country Data. Paris: OECD Publishing, 2023.

13. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

14. LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito e Justiça na Tributação. São Paulo: Atlas, 2016.

15. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2022.

16. PIKETTY, Thomas. Capital e Ideologia. São Paulo: Intrínseca, 2020.

17. ZUCCHETTI, Berenice. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade Contributiva. Curitiba: Juruá, 2019.

18. WORLD INEQUALITY DATABASE. Global Wealth Reports. Disponível em: https://wid.world.

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