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LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL

  LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL                                                       PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE MOREIRA Resumo Este artigo analisa, sob uma perspectiva jurídico-doutrinária e jurisprudencial, a Lei nº 15.122/2025 — conhecida como Lei da Reciprocidade Econômica — e o decreto presidencial que a regulamentou, publicado em 14 de Julho de 2025. Trata-se de um marco normativo na estrutura de defesa comercial brasileira, que permite a aplicação de medidas de retaliaç...

A INCONSTITUCIONALIDADE E A DISTORÇÃO REPRESENTATIVA NO AUMENTO DO NÚMERO DE DEPUTADOS FEDERAIS

 

A INCONSTITUCIONALIDADE E A DISTORÇÃO REPRESENTATIVA NO AUMENTO DO NÚMERO DE DEPUTADOS FEDERAIS

Professor Carlos Alexandre Moreira

RESUMO

O presente Artigo analisa a inconstitucionalidade do aumento do número de deputados federais visando preservar representação distrital, à luz da decisão do STF que exigiu a redistribuição proporcional e fixou prazo para cumprimento, abordando princípios de representação, isonomia e legalidade.

PALAVRAS-CHAVE

Redistribuição parlamentar; proporcionalidade; representação estatal; decisão do STF; PLP 177/2023.

ABSTRACT

This article examines the constitutional issues surrounding the increase in the number of seats in the Brazilian Chamber of Deputies, in view of the STF's decision requiring proportional redistribution, analyzing whether the PLP 177/2023 violates principles of equal representation, legality, and constitutional limits within the Brazilian legislative framework.

KEYWORDS

Parliamentary redistribution; proportionality; state representation; STF decision; PLP 177/2023.

SUMÁRIO

1. Introdução

2. Fundamentação Constitucional

3. Decisão do STF no MI do Pará

4. Natureza e Formato do PLP 177/2023

5. Inconstitucionalidade Material: Proporcionalidade versus Inchaço

6. Jurisprudência e Doutrina

7. Efeitos Federativos do PLP 177/2023: Ampliação e Desigualdade Subnacional

8. Jurisprudência Comparada: Modelos de Distribuição Parlamentar

9. Reflexos na Cláusula Pétrea da Forma Federativa

10. Doutrina Contemporânea e Reação Acadêmica

11. Propostas Alternativas: Constitucionalização da Redistribuição Parlamentar

12. Controle de Constitucionalidade do PLP 177/2023

13. Previsão de Judicialização e Cenários Possíveis

14. Considerações Finais

15. Bibliografia

1. Introdução

O PLP 177/2023 emerge como resposta à decisão do STF no Mandado de Injunção (MI) do Estado do Pará, que identificou omissão legislativa na atualização da representação parlamentar conforme o Censo de 2022. O que parecia ser um instrumento de aperfeiçoamento representativo degenerou, porém, em instrumento de expansão legislativa sem previsão constitucional clara.

Da leitura dos principais informes sobre o PLP 177/2023, que propõe aumento de 513 para 531 deputados a partir da legislatura de 2027, extraem-se os principais pontos objeto de controvérsia:

        Aprovado pelo Senado em 25 de junho de 2025, por 41 votos a 33, o aumento atende à determinação do STF para redistribuição com base no Censo IBGE de 2022, mas acresce 18 vagas extras, sem excluir nenhuma série de deputados existentes.

        O texto proíbe aumento real das despesas da Câmara (galerias e auxílios), permitindo apenas correção pela inflação no quadriênio 2027–2030.

        Depois de passadas urgência e Plenário, o projeto voltará à Câmara para rediscussão — mas sem alterar o equilíbrio setorial.

2. Fundamentação Constitucional

A Constituição de 1988, em seu § 2º do art. 45, estabelece que "nenhum estado pode ter menos de oito nem mais de setenta deputados". Determina ainda que a disputa das cadeiras deve ser feita mediante lei complementar que regule a proporcionalidade. A Lei Complementar nº 78/93 fixou a composição em 513, mas com base no Censo de 1986 — tornando-se juridicamente obsoleta.

3. Decisão do STF no MI do Pará

Em agosto de 2023, o STF, ao julgar ação do Pará, fixou prazo até 30 de junho de 2025 para que o Congresso regulasse a redistribuição proporcional baseada no novo censo, sem encomendar aumento automático do total de deputados. A ausência de lei adequada autorizou que o TSE procedesse à redistribuição administrativa na esfera eleitoral.

4. Natureza e Formato do PLP 177/2023

Embora tecnicamente lei complementar, o PLP traz norma inovadora: cria 18 cadeiras suplementares para estados que cresceram acima da média — deixando intacta a quantidade de deputados de estados com declínio de população.

Inclui dispositivo vedando aumento real de despesas no quadriênio subsequente, controlando impacto orçamentário momentâneo.

5. Inconstitucionalidade Material: Proporcionalidade versus Inchaço

a) Princípio da Isonomia

O art. 14 da CF consagra a isonomia eleitoral; a Câmara, ao majorar seu quadro discretamente, mas preservar as vagas de estados ora graduados, causa distorção que destoa da proporcionalidade direcional padrão.

b) Interpretação do art. 45, § 2º

A expressão “máximo de setenta” revelaria teto absoluto de cadeira por estado — mas o total da Câmara continuaria indefinido. Contudo, a interpretação sistemática e literal do art. 45 sucede que o legislador somente pode redistribuir numéricas dentro do limite original, e não ampliar vagas sem expressa previsão constitucional de aumento.

c) O “inchaço” legislativo e seu custo

Apesar de alegadas correções orçamentárias, o impacto anual estimado em R$ 64 milhões, especialmente em emendas e estruturas estaduais, tenderá a crescer. Além disto, efeito cascata: Assembleias legislativas estaduais poderão expandir suas bancadas em até o triplo do número federal.

6. Jurisprudência e Doutrina

a) Doutrina

Autores como José Afonso da Silva ensinam que, em matéria eleitoral, "tudo o que altera a representação parlamentar deve respeitar a proporcionalidade populacional e limites constitucionais".

Também, Ricardo Lobo Torres defende que a alteração do número de vagas só se dá por emenda constitucional, salvo se devidamente prevista em lei complementar — o que distinguiria ampliação de redistribuição pura.

b) Jurisprudência do STF

O STF, na ADI 470/DF, julgou inconstitucional qualquer norma que ampliasse mandatos sem reforma constitucional. Também, no MS 20.543, consolidou entendimento exigindo lei clara e simétrica para alterar bancadas federais.

7. Efeitos Federativos do PLP 177/2023: Ampliação e Desigualdade Subnacional

O redesenho do mapa parlamentar através do PLP 177/2023 altera substancialmente o equilíbrio federativo brasileiro. Embora o aumento numérico de deputados esteja amparado em uma pretensa atualização proporcional — como requerido na decisão do STF —, a técnica legislativa utilizada gera consequências estruturais inconstitucionais ao federativismo cooperativo previsto na Constituição de 1988.

a) Desigualdade Subnacional na Representação

Ao manter inalteradas as cadeiras dos estados que perderam representatividade demográfica relativa, enquanto aumenta apenas as vagas de estados em crescimento, o projeto rompe com a lógica redistributiva. A Constituição determina um ajuste proporcional, e não cumulativo. O mecanismo ideal seria de redistribuição dentro do mesmo quantitativo (513), mantendo o equilíbrio federativo e respeitando o teto constitucional do art. 45, § 2º da CF.

O resultado imediato é a super-representação dos entes que mantiveram as cadeiras e a sub-representação relativa dos novos estados com crescimento populacional. Tal medida afronta o princípio da igualdade do voto (voto igual ou “peso igual do voto”) — doutrinariamente defendido por autores como Marcelo Neves¹ e Luís Roberto Barroso².

b) Efeitos Legislativos e Orçamentários em Cadeia

A expansão da Câmara para 531 deputados repercute nos legislativos estaduais, conforme o art. 27, §1º, da CF, que atrela o número de deputados estaduais ao triplo da representação federal de cada estado, podendo chegar a 94, conforme o crescimento da bancada federal. O aumento é automático, mesmo com a limitação do impacto orçamentário federal pelo PLP 177/2023. Ocorre, assim, uma "expansão federativa por osmose" sem planejamento constitucional.

Além disso, tal expansão desorganiza a lógica da cláusula de desempenho dos partidos políticos (art. 17, §1º, da CF), pois modifica o denominador eleitoral da Câmara, afetando a aplicação de critérios como fidelidade partidária, acesso ao fundo partidário e tempo de TV.

8. Jurisprudência Comparada: Modelos de Distribuição Parlamentar

Na análise do direito comparado, observa-se que a redistribuição parlamentar com base em censos demográficos é prática comum, mas sempre vinculada a limites constitucionais rígidos.

a) Estados Unidos

Nos EUA, o número de membros da Câmara dos Representantes (435) está fixado desde 1929 pelo “Reapportionment Act”. A redistribuição é feita decenalmente com base no Censo, mas não há acréscimo de vagas — apenas redistribuição. O método usado é o método de Hill-Huntington, que assegura proporcionalidade rigorosa sem alterar o total de assentos³.

b) Alemanha

Na Alemanha, o Bundestag possui um número base de 598 cadeiras, com possibilidade de aumento decorrente do sistema misto de representação proporcional e distrital. Contudo, alterações no número total demandam alterações legislativas complexas e são normalmente acompanhadas de reformas institucionais, não sendo fruto de simples lei complementar⁴.

9. Reflexos na Cláusula Pétrea da Forma Federativa

A Constituição brasileira, em seu art. 60, § 4º, I, determina como cláusula pétrea “a forma federativa de Estado”. Ao produzir distorções substanciais no equilíbrio de representação dos entes federativos, sem base constitucional explícita ou emenda formal, o PLP 177/2023 vulnera tal cláusula. Qualquer alteração estrutural no arranjo político da representação deveria decorrer de reforma constitucional.

Do ponto de vista da hermenêutica constitucional, como ensina Canotilho⁵, qualquer alteração na composição de poderes que altere substancialmente a estrutura federativa deve ser interpretada com extrema cautela, pois afeta diretamente a soberania dos estados-membros e a isonomia republicana.

10. Doutrina Contemporânea e Reação Acadêmica

A doutrina constitucional brasileira contemporânea tem se manifestado em obras e pareceres sobre a necessidade de controle rígido da proporcionalidade legislativa. Autores como Lenio Streck, Ingo Sarlet e Daniel Sarmento defendem que a proporcionalidade representativa não pode ser instrumentalizada por conveniências políticas de momento⁶. A ampliação de vagas deve ser instrumento técnico-democrático e não político-partidário.

Além disso, entidades como a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), à qual nos filiamos, já se manifestaram contra a expansão inorgânica do parlamento federal, alertando para os efeitos colaterais nos demais entes federativos⁷.

11. Propostas Alternativas: Constitucionalização da Redistribuição Parlamentar

Diante do conflito entre o PLP 177/2023 e a ordem constitucional vigente, surgem alternativas legislativas e constitucionais viáveis para atender à determinação do Supremo Tribunal Federal quanto à redistribuição proporcional da representação sem violar os preceitos fundamentais da Constituição da República.

a) Reforma da Lei Complementar nº 78/1993

A via mais direta e menos traumática seria a revogação parcial ou total da Lei Complementar nº 78/1993, substituindo-se o modelo vigente por um novo critério redistributivo, fundado no último censo demográfico, mas sem alterar o número total de deputados federais (513). Essa medida estaria em estrita conformidade com o art. 45, § 1º da CF, ao permitir a atualização periódica da representação proporcional, sem incorrer em inconstitucionalidade formal.

b) Proposta de Emenda à Constituição (PEC)

A segunda via, mais robusta e segura juridicamente, seria a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição que trate expressamente da possibilidade de alteração do número total de cadeiras na Câmara dos Deputados, desde que acompanhada de requisitos objetivos (ex. crescimento demográfico nacional, avaliação de impacto fiscal, participação federativa mínima).

Tal PEC poderia prever:

  • Fixação de novo intervalo mínimo e máximo por estado (hoje 8 a 70 deputados, art. 45, § 1º da CF);
  • Critérios de atualização periódica automática, com base no Censo do IBGE;
  • Inclusão de salvaguardas orçamentárias e regras de transição.

Essa proposta respeitaria a rigidez constitucional e evitaria o vício de origem do PLP 177/2023, que pretende alterar a arquitetura representativa da Federação por meio de lei complementar, sem previsão constitucional expressa.

12. Controle de Constitucionalidade do PLP 177/2023

a) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)

O instrumento mais adequado para questionar a constitucionalidade do PLP 177/2023, caso aprovado, é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com fundamento nos seguintes dispositivos:

  • Violação ao art. 45, § 1º e § 2º da CF (limites constitucionais à representação);
  • Agressão ao princípio da igualdade do voto (arts. 1º, caput, e 14, CF);
  • Atingimento da cláusula pétrea da forma federativa do Estado (art. 60, § 4º, I).

b) Legitimados Ativos

Poderão ajuizar a ADI perante o STF: partidos políticos com representação no Congresso Nacional, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, confederações sindicais, entidades de classe de âmbito nacional, governadores de Estado ou a Mesa do Senado/Câmara.

c) Controle Difuso

Além do controle concentrado, pode haver controle difuso por meio da análise incidental em ações eleitorais, especialmente em disputas de distribuição de cadeiras, registro de candidaturas e coligações — hipótese viável a partir da promulgação e aplicação da nova lei.

13. Previsão de Judicialização e Cenários Possíveis

a) Suspensão Liminar dos Efeitos

É previsível que, uma vez sancionado o PLP 177/2023, partidos políticos ou entidades como a OAB proponham ADI, requerendo liminar para suspender seus efeitos com base no risco de dano institucional à estrutura federativa e à isonomia entre os estados-membros.

A jurisprudência do STF, como na ADI 3685⁸ e na ADI 7590⁹, tem reconhecido a gravidade de alterações institucionais feitas sem previsão constitucional expressa, especialmente quando afetam direitos fundamentais ou a organização política da República.

b) Efeitos Ex Tunc ou Ex Nunc

Caso reconhecida a inconstitucionalidade, os efeitos poderão ser:

  • Ex tunc (retroativos), anulando a distribuição já feita com base na nova composição;
  • Ex nunc (prospectivos), mantendo as alterações para a legislatura já constituída, mas impedindo novas composições com base na norma inconstitucional.

Esse ponto dependerá da modulação de efeitos a ser feita pelo STF, com base nos critérios do art. 27 da Lei nº 9.868/1999.

14. Considerações Finais

O PLP 177/2023, apesar de revestido da forma de lei complementar, promove uma inovação estrutural de caráter constitucional, ao ampliar o número de deputados federais sem respaldo direto no texto da Constituição. Sua eventual promulgação representará uma ruptura com a técnica legislativa adequada, podendo ensejar a declaração de sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.

A preservação da proporcionalidade na representação popular exige soluções coerentes com os preceitos fundamentais da República. A redistribuição deve ocorrer, sim, mas dentro do número total de cadeiras existentes, sem aumentos artificiais que prejudiquem o equilíbrio federativo e comprometam o princípio da isonomia eleitoral.

 

15. Bibliografia

1. NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil – o constitucionalismo e o Estado de Direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.

2. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2023.

3. UNITED STATES CENSUS BUREAU. Apportionment Methods. Disponível em: https://www.census.gov.

4. BUNDESWAHLGESETZ. Federal Elections Act – Germany.

5. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2012.

6. STRECK, Lenio; SARLET, Ingo Wolfgang; SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.

7. ABRADEP. Nota técnica sobre o PLP 177/2023. Disponível em: https://abradep.org.br.

8. STF, ADI 3685, Rel. Min. Gilmar Mendes.

9. STF, ADI 7590, Rel. Min. Cármen Lúcia.

 

 

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