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PRESUNÇÃO INVERTIDA DE RESPONSABILIDADE ESTATAL NAS HIPÓTESES DE INAÇÃO REGULADA: UMA PROPOSTA DE RECONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
PRESUNÇÃO
INVERTIDA DE RESPONSABILIDADE ESTATAL NAS HIPÓTESES DE INAÇÃO REGULADA: UMA
PROPOSTA DE RECONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
Reframing
State Liability: Administrative Omissions and the Presumption of Responsibility
Updating the Framework for State Liability in Cases of Administrative
Omission. Rethinking the Jurisprudence of Superior Courts in the Face of
Administrative Inaction.
PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE MOREIRA
Resumo: O presente artigo propõe a introdução de uma nova
matriz teórica na seara da responsabilidade objetiva do Estado, com base em
hipóteses de inação administrativa previamente disciplinadas por normas
jurídicas. Sustenta-se a criação de uma presunção legal de responsabilidade
estatal, com a inversão do ônus da prova em favor do administrado, sempre que
demonstrada a omissão administrativa diante de dever previamente regulamentado.
Fundamenta-se a tese na função normativa da Administração Pública, no princípio
da confiança legítima e na assimetria probatória existente entre os sujeitos da
relação jurídica. A proposta visa atualizar a jurisprudência dos tribunais
superiores, permitindo maior efetividade à proteção dos direitos fundamentais.
Palavras-chave: Responsabilidade objetiva; omissão
administrativa; presunção legal; confiança legítima; função reguladora do
Estado.
Abstract: This article proposes the
development of a new theoretical model within the framework of State strict
liability, specifically addressing instances of administrative omission
governed by pre-existing legal mandates. It argues for the adoption of a
statutory presumption of State liability, accompanied by a reversal of the
burden of proof in favor of private parties whenever a breach of an established
administrative duty is demonstrated. The theoretical foundation rests upon the
normative role of Public Administration, the doctrine of legitimate
expectations, and the evidentiary imbalance between the State and individuals.
The proposal seeks to align the jurisprudence of superior courts with
contemporary demands for the effective safeguarding of fundamental rights,
thereby promoting a more responsive and accountable public administration.
Keywords: State liability; administrative
omission; statutory presumption; legitimate expectations; regulatory function
of the State; fundamental rights protection.
1. Introdução
A Constituição da República de
1988 consolidou, no artigo 37, §6º, o regime da responsabilidade objetiva do
Estado, segundo o qual o poder público responde, independentemente de culpa,
pelos danos que seus agentes causem a terceiros no exercício de suas funções. A
doutrina e a jurisprudência, contudo, têm tratado de modo restritivo as
hipóteses de omissão estatal, exigindo, nesses casos, a demonstração de culpa e
nexo de causalidade direto, inclusive nos casos em que a inação contraria
normativos administrativos vinculantes¹.
A presente pesquisa propõe uma
reconfiguração dessa lógica, a partir da formulação de uma presunção jurídica
de responsabilidade estatal quando o ente público deixar de cumprir um dever
previamente normatizado, salvo justificativa técnica ou jurídica idônea.
Tal tese propõe, ainda, a inversão do ônus da prova, impondo ao Estado o
dever de demonstrar que sua inação não contribuiu diretamente para a ocorrência
do dano.
Propõe, portanto, a criação de
uma presunção jurídica invertida de responsabilidade do Estado nas hipóteses em
que a inação estatal esteja previamente disciplinada por norma legal ou
infralegal, mas o ente público deixe de agir sem justificativa técnica ou
fática aceitável. Esta tese propõe a modificação do ônus da prova nos casos de
omissão estatal, atribuindo ao ente público a incumbência de demonstrar que a
inércia administrativa foi necessária, proporcional, ou juridicamente adequada.
Trata-se de um avanço da teoria da responsabilidade objetiva do Estado com base
na função normativa do Poder Público e na confiança legítima do administrado.
2. A Responsabilidade Objetiva do
Estado e a Omissão Administrativa
2.1 O modelo constitucional de
responsabilidade objetiva
Nos moldes constitucionais
brasileiros, a responsabilidade do Estado tem caráter objetivo, com base na
teoria do risco administrativo². Essa sistemática foi estruturada para garantir
a tutela efetiva dos direitos do administrado, diante do poder-dever do Estado
de prestar serviços públicos com eficiência e segurança.
2.2 O tratamento restritivo da
omissão na jurisprudência
Apesar do modelo constitucional,
o entendimento jurisprudencial dominante ainda diferencia a responsabilidade
por ação (objetiva) e por omissão (subjetiva), exigindo prova de culpa e nexo
de causalidade³. Isso gera um tratamento assimétrico, frequentemente
incompatível com a função normativa da Administração Pública e a expectativa
legítima do administrado quanto ao cumprimento de normas previamente
instituídas.
2.3 Fundamentação Jurídica e
Princípios Envolvidos
Fundamento Constitucional
- Art.
37, §6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade objetiva do
Estado por danos causados por seus agentes: “As pessoas jurídicas de
direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros [...]”
- Princípios
da Legalidade (art. 5º, II e art. 37, caput), Eficiência, Moralidade e
Segurança Jurídica (art. 37, caput).
- Princípio
da Proteção da Confiança: decorrente do Estado de Direito e do
princípio da segurança jurídica.
Ampliação da Responsabilidade
Objetiva
Propõe-se o seguinte: quando o
Estado é legalmente obrigado a agir (por exemplo, fiscalizar, interditar,
garantir o acesso a serviços públicos etc.) e não o faz sem motivação
adequada, presume-se o nexo de causalidade entre a omissão e o dano
verificado. A tese exige que o Estado comprove:
- Impossibilidade
técnica ou jurídica de agir;
- Que
a omissão não foi causa direta do dano;
- Ou
que o dano seria inevitável, mesmo com a atuação administrativa.
Inversão do Ônus da Prova
A inversão se justifica com base nos princípios da:
- Vulnerabilidade
do administrado perante o Estado;
- Teoria
da confiança legítima;
- Capacidade
técnica e documental superior da Administração Pública.
3. A Inação Regulada como Fonte
de Responsabilidade: Fundamentos da Tese
3.1 A função normativa da
Administração Pública
A Administração Pública, ao
editar portarias, resoluções, normas operacionais ou protocolos internos, vincula
sua própria conduta futura, assumindo o dever jurídico de agir de forma
consistente com esses instrumentos. A omissão administrativa diante desses
deveres previamente definidos caracteriza violação à legalidade interna e à
boa-fé objetiva administrativa⁴.
3.2 O princípio da confiança
legítima
Derivado do princípio do Estado
de Direito e da segurança jurídica, o princípio da confiança legítima
impõe ao Estado o dever de respeitar as expectativas normativamente fundadas
dos cidadãos. Quando o Estado omite-se frente a um dever legal positivado,
viola não apenas a legalidade, mas o próprio pacto de confiança social⁵.
3.3 Inação Regulada: Entre o
Dever Legal e a Omissão Injustificada
A Administração Pública está
frequentemente sujeita a normas infralegais, portarias, resoluções e manuais
operacionais que impõem condutas específicas. A omissão diante desses deveres
normativos, quando resulta em dano ao particular, deve atrair a
responsabilidade objetiva, independentemente da prova do nexo causal direto,
o qual será presumido pela violação do dever legal de agir.
4. A Presunção Invertida e a
Inversão do Ônus Probatório
4.1 Elementos Estruturantes da
tese:
A proposta consiste na criação de
uma presunção legal de responsabilidade objetiva do Estado quando:
- (i)
houver norma vinculante que imponha um dever específico de atuação à
Administração (Existência de norma regulatória que impõe dever estatal
específico);
- (ii)
esta deixe de agir sem justificativa técnica ou jurídica idônea (Inação
estatal);
- (iii)
sobrevindo dano diretamente relacionado à área de incidência do dever
violado;
- (iv)
Presunção de nexo causal;
- (v) Ônus
probatório revertido ao Estado.
Nestes casos, o nexo de
causalidade será presumido, incumbindo ao Estado o ônus de demonstrar
que:
- a) o
dano era inevitável;
- b) a
omissão não teria evitado o resultado;
- c)
ou que havia impedimento legítimo à atuação estatal.
Essa inversão decorre da capacidade
técnica e documental superior da Administração, da vulnerabilidade
estrutural do administrado e da necessidade de tornar efetivo o regime da
responsabilidade objetiva⁶.
4.2. Fundamento teórico-prático
- Capacidade
probatória superior da Administração;
- Assimetria
de poder e informação;
- Efetividade
do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF).
4.3 Inovação e Impacto
Jurisprudencial
A tese visa revolucionar o
modo como os tribunais julgam omissões do Estado, especialmente nos
Tribunais Superiores (STF e STJ), promovendo uma cultura de proatividade
administrativa, valorização das normas internas da Administração Pública
e proteção ampliada dos direitos fundamentais.
Além disso, contribui para uma releitura
da Teoria da Omissão do Estado, superando a exigência de culpa específica
ou comprovação detalhada do nexo causal, permitindo uma aplicação mais
eficiente da responsabilidade objetiva.
4.4 Análise Jurisprudencial
- STJ – REsp 1.103.475/SP
(Responsabilidade por omissão hospitalar)
Reconhece a responsabilidade do
Estado por omissão específica, mas exige prova do nexo causal e da culpa.
- STF – RE 841.526/RS (Tema 592
da Repercussão Geral)
Discute-se a possibilidade de
responsabilidade objetiva em omissões, porém sem consolidar presunção favorável
ao particular.
4.5 Crítica à jurisprudência
vigente
A atual orientação ainda impõe ao
administrado o ônus excessivo da prova, contrariando os princípios da
vulnerabilidade e da boa-fé objetiva.
5. Exemplos de Aplicação Prática
5.1 Fiscalização ambiental
Caso em que órgão ambiental,
obrigado por norma interna a realizar vistorias periódicas em áreas de
preservação, omite-se no cumprimento da fiscalização. Em ocorrendo dano
ambiental, a responsabilidade estatal será presumida, salvo comprovação de fato
impeditivo ou excludente.
5.2 Atendimento hospitalar
público
Hospitais vinculados ao SUS
possuem protocolos que exigem acolhimento imediato de pacientes em situação de
risco. Se a inércia administrativa resulta em agravamento da saúde ou morte,
presume-se o nexo causal, incumbindo ao Estado a prova em contrário.
6. Proposta de Súmula Vinculante
“Presume-se a responsabilidade
objetiva do Estado por omissão administrativa que contrarie dever normativo
expresso, salvo demonstração de justificativa técnica ou jurídica idônea, ou de
que o dano seria inevitável, mesmo com a atuação estatal.”
Tal proposta visa oferecer diretrizes
normativas claras para o julgamento de omissões administrativas,
especialmente no âmbito dos Tribunais Superiores, como medida de promoção da
isonomia, da previsibilidade decisória e da proteção efetiva aos direitos fundamentais.
A adoção desta súmula pelo STF
teria repercussões relevantes:
- Redução
da litigiosidade repetitiva;
- Estímulo
à proatividade administrativa;
- Efetivação
dos direitos fundamentais sociais.
7. Conclusão
A responsabilidade do Estado por
omissão administrativa deve ser reinterpretada sob uma ótica mais protetiva ao
administrado e eficaz quanto à atuação pública. A tese da presunção invertida
de responsabilidade estatal por inação regulada contribui para um novo
paradigma de responsabilização objetiva, mais justo, técnico e alinhado aos
valores constitucionais do Estado Democrático de Direito.
A teoria da responsabilidade do
Estado constitui uma das garantias fundamentais dos cidadãos frente à atuação —
ou omissão — do poder público. Embora a Constituição Federal de 1988 tenha
consagrado a responsabilidade objetiva do Estado, a jurisprudência ainda mostra
relutância em reconhecê-la plenamente nas omissões administrativas. Este artigo
propõe a criação de uma nova perspectiva teórica: a presunção invertida de
responsabilidade nas hipóteses de inação regulada, fundamentada na violação
à norma administrativa e no princípio da confiança legítima.
O presente trabalho propõe,
portanto, um novo modelo de responsabilização do Estado por omissões
administrativas, com base na presunção de responsabilidade fundada na
inércia diante de dever previamente normatizado. A inversão do ônus probatório
revela-se como instrumento necessário para reequilibrar a relação entre Estado
e cidadão, promovendo maior eficiência, previsibilidade e justiça material. A
adoção dessa tese contribuirá para consolidar um paradigma mais coerente com os
princípios constitucionais da Administração Pública.
Notas de Rodapé
1. Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio. Curso de Direito Administrativo. 35. ed. São Paulo: Malheiros,
2018, p. 1041.
2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 742.
3. STJ, REsp 1.103.475/SP, Rel. Min.
Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 22.09.2009.
4. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de
Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p.
591.
5. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição
constitucional e decisão jurídica: hermenêutica e efetividade na Constituição.
6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020, p. 177.
6. SUNSTEIN, Cass R. Designing
Democracy: What Constitutions Do. Oxford: Oxford University Press, 2001, p.
120.
Referências Bibliográficas
BANDEIRA
DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 35. ed. São
Paulo: Malheiros, 2018.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 32. ed. São
Paulo: Atlas, 2019.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração
hermenêutica da construção do Direito. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2020.
SUNSTEIN, Cass R. Designing Democracy: What Constitutions Do. Oxford:
Oxford University Press, 2001.
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