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LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL

  LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL                                                       PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE MOREIRA Resumo Este artigo analisa, sob uma perspectiva jurídico-doutrinária e jurisprudencial, a Lei nº 15.122/2025 — conhecida como Lei da Reciprocidade Econômica — e o decreto presidencial que a regulamentou, publicado em 14 de Julho de 2025. Trata-se de um marco normativo na estrutura de defesa comercial brasileira, que permite a aplicação de medidas de retaliaç...

COMPLIANCE SISTÊMICO COM CONTROLE JUDICIAL PROSPECTIVO: UMA NOVA ARQUITETURA JURÍDICO-INSTITUCIONAL NO BRASIL – UMA PROPOSTA LEGISLATIVA

 

COMPLIANCE SISTÊMICO COM CONTROLE JUDICIAL PROSPECTIVO: UMA NOVA ARQUITETURA JURÍDICO-INSTITUCIONAL NO BRASIL – UMA PROPOSTA LEGISLATIVA

                                                                                Professor Carlos Alexandre Moreira

Resumo

Este artigo propõe uma nova modelagem jurídico-institucional para o compliance empresarial no Brasil, fundada na tese inédita do "Compliance Sistêmico com Controle Judicial Prospectivo" (CCJP). A proposta visa transformar o paradigma do compliance, que ainda opera sob um modelo predominantemente formalista e reativo, em uma estrutura normativa vinculante, com efeitos materiais reconhecidos judicialmente. A partir da análise da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial da matéria, este estudo sustenta que o compliance deve ser elevado ao status de instituição jurídica com presunção relativa de boa-fé institucional, sujeita a controle preventivo pelo Poder Judiciário. O artigo examina os fundamentos constitucionais, legais e jurisprudenciais da tese, além de mapear as iniciativas inovadoras implementadas por entes públicos e privados no Brasil, evidenciando uma tendência normativa de judicialização da cultura de integridade corporativa. Por fim, propõe alterações legislativas e processuais que consolidem o novo modelo sugerido.

Palavras-chave

Compliance, Controle Judicial Prospectivo, Responsabilidade Corporativa, Direito Sancionador, Integridade Institucional, Boa-fé Objetiva, Reforma Legislativa.

Abstract

This article proposes a novel legal-institutional framework for corporate compliance in Brazil, based on the theory of "Systemic Compliance with Prospective Judicial Control" (CCJP). The aim is to shift the current reactive and formalistic compliance model toward a binding normative structure with material judicial effects. By examining the legislative, doctrinal, and jurisprudential evolution of compliance in Brazil, the study advocates for the recognition of compliance as a legal institution with a rebuttable presumption of corporate good faith, subject to preventive oversight by the Judiciary. The article analyzes the constitutional and infra-constitutional bases for this thesis and identifies innovative initiatives undertaken by public and private entities that support the emergence of a normative framework for judicialized corporate integrity. Finally, it proposes legal and procedural reforms to institutionalize this new model.

Keywords

Compliance, Prospective Judicial Review, Corporate Liability, Sanctioning Law, Institutional Integrity, Good Faith, Legislative Reform.

Sumário

1.     Introdução

2.     Evolução Legislativa do Compliance no Brasil

3.     Marcos Doutrinários e Contribuições da Jurisprudência

4.     A Proposta do Compliance Sistêmico com Controle Judicial Prospectivo (CCJP)

5.     Iniciativas Inovadoras de Implementação Pública e Privada

6.     Efeitos Jurídico-Processuais e Aplicabilidade no Judiciário

7.     Propostas Legislativas e Transformações Estruturais

8.     Considerações Finais

9.     Referências Bibliográficas


1. Introdução

Apesar de sua importância crescente no cenário jurídico nacional, o compliance demorou sobremaneira para ser incorporado de forma estruturada no Brasil. Durante décadas, o instituto foi ignorado ou tratado como mera técnica de gestão empresarial, sem reconhecimento normativo autônomo. Quando finalmente passou a figurar nas legislações brasileiras – especialmente com a Lei nº 12.846/2013 –, muitos operadores do Direito que o ignoravam o recepcionaram como uma inovação absoluta, desconhecendo que, no plano do direito comparado, o compliance já constituía instituição jurídica consolidada há mais de meio século.

Países como os Estados Unidos, com o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) desde 1977, o Reino Unido, com o UK Bribery Act de 2010, a Alemanha, que adota sistemas baseados no padrão IDW PS 980, além do Canadá, França (Loi Sapin II) e Japão, já tratam o compliance como elemento vinculante de responsabilidade jurídica, inclusive com impacto direto em processos penais e civis desde a década de 1980. O atraso brasileiro, portanto, não é técnico, mas cultural e normativo, e exige agora uma resposta legislativa sistemática que o reposicione no centro da governança institucional.

A institucionalização do compliance no Brasil se consolidou como um dos mais relevantes desenvolvimentos normativos da última década, especialmente após a promulgação da Lei nº 12.846/2013. Contudo, a forma como o compliance tem sido juridicamente estruturado ainda carece de sistematicidade normativa e de reconhecimento pleno como elemento processual ou excludente de culpabilidade institucional. Diante disso, propõe-se uma remodelação do arcabouço legal sob a ótica do Compliance Sistêmico com Controle Judicial Prospectivo (CCJP), estruturando o compliance como um instrumento de responsabilidade preventiva com efeitos judiciais vinculantes.

2. Evolução Legislativa do Compliance no Brasil

A legislação brasileira iniciou o reconhecimento do compliance com a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que inaugurou a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica por atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira. O art. 7º, VIII da referida lei estabeleceu que a existência de um programa de integridade seria considerada como fator atenuante na aplicação de sanções administrativas¹.

O Decreto nº 11.129/2022, que revogou o Decreto nº 8.420/2015, redefiniu os critérios para avaliação dos programas de integridade, ampliando a relevância da governança corporativa, da gestão de riscos e da efetividade dos mecanismos de controle interno².

Além disso, marcos setoriais como a Lei nº 13.709/2018 (LGPD), a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), e a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) impuseram obrigações específicas de integridade, configurando uma teia normativa multifacetada, mas ainda dispersa³.

3. Marcos Doutrinários e Contribuições da Jurisprudência

Doutrinadores como Marcelo Zenkner, Walfrido Warde e Emerson Ademar de Andrade têm contribuído para a análise crítica do compliance no Brasil, denunciando a fragilidade dos mecanismos meramente formais e defendendo a adoção de modelos substanciais e vinculantes⁴.

Na jurisprudência, o STJ tem reiteradamente reconhecido a efetividade de programas de integridade como atenuantes em ações civis públicas e processos administrativos sancionadores, como nos casos envolvendo o sistema de leniência da CGU⁵. Entretanto, a ausência de um controle judicial preventivo estruturado impede que tais elementos produzam efeitos antecipatórios e vinculantes.

4. A Proposta do Compliance Sistêmico com Controle Judicial Prospectivo (CCJP)

A presente tese propõe que o compliance deixe de ser um instrumento interno de controle facultativo, passando a se tornar uma instituição jurídica submetida a controle judicial prospectivo.

Trata-se da criação de uma "Ação de Homologação Judicial de Sistema de Integridade" (AHSI), por meio da qual empresas poderiam judicializar preventivamente seus sistemas de compliance, submetendo-os à análise de legalidade, efetividade e boa-fé por parte do Judiciário, com suporte técnico da CGU, MPF e AGU.

A homologação judicial conferiria efeitos jurídicos objetivos e presunções relativas, tais como:

  • Boa-fé objetiva institucional;
  • Redução de sanções em eventuais litígios;
  • Inversão do ônus probatório quanto à responsabilidade institucional.

5. Iniciativas Inovadoras de Implementação Pública e Privada

No setor público, a Petrobras implementou um dos sistemas mais robustos de governança de compliance, com certificação internacional ISO 37001, sendo reconhecida por decisões judiciais como exemplo de reformulação estrutural pós-crise⁶.

No setor privado, empresas como Braskem, JBS e Odebrecht adotaram planos de integridade com supervisão judicial via acordos de leniência, que, embora eficazes, ainda carecem de tipificação normativa clara para produzir efeitos em outras esferas (cível, penal e administrativa).

Essas práticas indicam uma evolução funcional do compliance, mas ainda limitada pela ausência de previsibilidade normativa e reconhecimento judicial antecipado.


6. Efeitos Jurídico-Processuais e Aplicabilidade no Judiciário

A adoção da tese do CCJP teria os seguintes efeitos nos processos judiciais:

  • Reconhecimento processual do compliance como fato jurídico relevante, passível de ser homologado judicialmente;
  • Atenuação ou exclusão da culpabilidade institucional, nos moldes da cláusula de inexigibilidade de conduta diversa;
  • Aplicação analógica da Teoria do Risco Administrado, afastando a responsabilização automática.

No campo penal, o reconhecimento do compliance como causa supralegal excludente de culpabilidade institucional seria possível à luz do art. 13, §2º do Código Penal, mediante reinterpretação finalística da omissão imprópria.

7. Direito Comparado - Bibliografia Comentada de Autores Estrangeiros sobre Compliance

a) Jeffrey M. Kaplan - Compliance Programs and the Corporate Sentencing Guidelines - 1993 (obra com atualizações periódicas contínuas – Law Journal Press).

Kaplan é um dos pioneiros na sistematização dos programas de compliance no contexto do direito penal corporativo norte-americano, com base nas diretrizes da U.S. Federal Sentencing Guidelines (FSGO). Sua obra demonstra como a existência de programas efetivos pode excluir ou atenuar a responsabilidade penal da empresa.

Utilidade para o Brasil: Serve de base para propor que o compliance gere efeitos jurídicos antecedentes à responsabilização, como se propõe com a tese do Controle Judicial Prospectivo.

b) Joe Murphy - 501 Ideas for Your Compliance and Ethics Program - 2008 – Society of Corporate Compliance and Ethics

Trata-se de um guia prático amplamente utilizado nos EUA e na União Europeia, focado em ações de engajamento, comunicação e cultura de integridade. Murphy defende o compliance como mecanismo comportamental e normativo simultaneamente.

Utilidade para o Brasil: Reforça a ideia de que o compliance deve ser medido não apenas por normas escritas, mas por métricas de efetividade cultural, que podem ser aferidas judicialmente.

c) Benjamin van Rooij & D. Daniel Sokol - Cambridge Handbook of Compliance - 2021 – Cambridge University Press

Uma das mais completas obras acadêmicas sobre compliance no mundo. Aborda desde os fundamentos teóricos (compliance como sistema normativo informal) até os impactos na regulação setorial e no enforcement público-privado.

Utilidade para o Brasil: Fundamenta doutrinariamente a ideia do compliance como uma instituição normativa independente, apta a produzir efeitos jurídicos diretos. Fornece o respaldo teórico à proposta de se reconhecer presunção de conformidade a programas efetivos.

d) Rebecca Walker - Creating an Effective Compliance Program (artigos e conferências) - Produção contínua em artigos e conferências desde 2005, com destaque para obras reunidas no período 2015–2020

Walker destaca a necessidade de um sistema de compliance baseado em liderança, autonomia, independência do setor de integridade e monitoramento contínuo.

Utilidade para o Brasil: A autora sustenta que a efetividade é mais importante que a formalidade documental, argumento que se alinha diretamente à proposta de homologação judicial com base em critérios objetivos e práticos.

e) Michael Volkov - The Volkov Law Blog - Publicação contínua desde 2012 – conteúdo atualizado semanalmente

Volkov é referência prática em compliance e enforcement, abordando casos concretos de FCPA, UKBA e outros regimes de integridade corporativa. Defende que o compliance deve ser judicialmente protegível, pois integra a defesa institucional.

Utilidade para o Brasil: Serve como modelo para reforçar que o compliance deve ser invocado judicialmente como cláusula de defesa e conformidade ex ante, como preconiza o CCJP.

f) Sally March - Practical Ethics and Compliance - 2012 – Publicado na The European Business Review

March integra o compliance à ética organizacional e ao valor reputacional, demonstrando que a adoção antecipada de controles éticos reduz custos reputacionais e riscos legais.

Utilidade para o Brasil: Serve de base para reforçar o argumento econômico da proposta legislativa: conformidade preventiva é investimento, não custo.

g) Cristina Caffarra & David Spector - Compliance in Competition Law - Artigos sobre compliance e antitruste publicados entre 2010 e 2022, publicados em Journal of European Competition Law & Practice e Concurrences Review

Demonstram que sistemas de compliance efetivos devem ser levados em conta pelo enforcement antitruste, como fator excludente ou atenuante de responsabilidade.

Utilidade para o Brasil: Permite aplicar a lógica da homologação judicial também no contexto do direito concorrencial e regulação econômica, ampliando a eficácia da tese.

h) Eugenio R. Riccio - Compliance Programs and Criminal Law - 2020 – Springer International Publishing.

Riccio examina a interseção entre compliance e direito penal europeu, especialmente à luz das legislações italiana, francesa e alemã. Defende que o compliance efetivo pode impedir a formação do tipo penal corporativo.

Utilidade para o Brasil: Fornece o suporte para que, em sede de direito penal empresarial, o compliance funcione como excludente supralegal de culpabilidade, se homologado judicialmente.

i) Peter W. Greenwood - Corporate Compliance and the Internal Audit Function - 2013 – Institute of Internal Auditors (IIA)

Enfatiza a articulação entre compliance e auditoria interna como instrumento de accountability contínua.

Utilidade para o Brasil: Fundamenta a exigência de laudo pericial e parecer técnico para a validação judicial de programas de integridade.

j) Luciano Floridi - Ethics, Governance and Policies in AI and Compliance Systems - 2021 – Parte de coletânea organizada pelo Oxford Internet Institute

Foca na intersecção entre compliance e governança algorítmica, propondo o compliance como arquitetura ética de sistemas complexos.

Utilidade para o Brasil: Embasa a extensão da tese do CCJP para o compliance digital e LGPD, permitindo judicialização preventiva também de estruturas automatizadas de governança.

8. Proposta Legislativa e Transformações Estruturais

Diante da importância estratégica do tema para a economia nacional, o ambiente regulatório e a segurança jurídica dos negócios, apresentamos o presente projeto, como medida essencial para o fortalecimento do Estado de Direito, da probidade empresarial e da cultura de integridade no Brasil.

I – Fundamentação Constitucional e Legal

A presente proposta encontra fundamento nos seguintes dispositivos da Constituição Federal:

  • Art. 1º, IV – Fundamento da República na livre iniciativa;
  • Art. 170 – Ordem econômica fundada na valorização da empresa e na função social;
  • Art. 37, caput – Princípio da legalidade, moralidade e eficiência da Administração Pública;
  • Art. 5º, LIV e LV – Garantias do devido processo legal e da ampla defesa.

Além disso, articula-se com o regime jurídico estabelecido nas seguintes normas infraconstitucionais:

  • Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção);
  • Decreto nº 11.129/2022 (Regulamentação da Lei Anticorrupção);
  • Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais);
  • Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos);
  • Lei nº 13.709/2018 (LGPD);
  • Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial).

II – Justificativa e Finalidade da Proposta

Atualmente, o compliance é tratado no ordenamento brasileiro como mero atenuante administrativo, sem produzir efeitos jurídicos vinculantes em outras esferas de responsabilização (penal, cível ou trabalhista). Isso limita a eficácia e a atratividade dos investimentos em integridade corporativa, e gera insegurança jurídica para empresas que atuam em setores regulados, contratam com o poder público ou operam sob risco de sanções múltiplas.

A proposta ora apresentada pretende resolver essa lacuna por meio da criação da “Homologação Judicial de Programa de Integridade”, modalidade de controle jurisdicional prospectivo e preventivo, com valor jurídico reconhecido em juízo. Essa medida:

  • Reconhece a integridade institucional como bem jurídico tutelado;
  • Permite que o Poder Judiciário atue como instância certificadora da boa-fé empresarial, sem substituir o controle administrativo;
  • Valoriza o esforço prévio e autônomo das organizações na prevenção de ilícitos, invertendo a lógica punitiva e reativa do sistema atual;
  • Facilita a defesa das empresas em ações civis públicas, penais, de improbidade ou de responsabilização administrativa, assegurando maior isonomia entre acusação e defesa;
  • Promove a previsibilidade e a estabilidade regulatória, atraindo investimentos e alinhando o Brasil às melhores práticas da OCDE e da ONU (UNCAC, ISO 37001, etc.).

III – Inovação Jurídica e Segurança Institucional

A proposta tem caráter inovador, mas é tecnicamente ancorada em mecanismos processuais já existentes, como:

  • Ação declaratória preventiva (arts. 19 e 300 do CPC);
  • Homologação de acordos extrajudiciais (arts. 515, II, e 855-B da CLT);
  • Presunções legais relativas (art. 212 do Código Civil);
  • Modulação de efeitos processuais pelo Poder Judiciário.

Trata-se, portanto, de uma ferramenta institucional de autorregulação regulada, que se insere no movimento contemporâneo de fortalecimento da governança, da ética pública e da responsabilidade social empresarial.

IV – Potencial Transformador

Ao conferir ao compliance eficácia jurídica transversal, esta proposta cria um novo paradigma de responsabilidade empresarial no Brasil, baseado na boa-fé objetiva institucional, no diálogo institucional entre entes públicos e privados, e na racionalização do sistema sancionador.

Com isso, permite-se ao Poder Judiciário um papel ativo na validação preventiva de condutas corporativas, sem comprometer a autonomia do Ministério Público, da CGU ou dos tribunais de contas, que manterão seus papéis fiscalizadores e punitivos. O modelo é complementar, não substitutivo.

V - Minuta de Projeto de Lei Federal

Proposta Legislativa com base na tese do “Compliance Sistêmico com Controle Judicial Prospectivo – CCJP”:

PROJETO DE LEI Nº ___/2025

Dispõe sobre a homologação judicial de programas de integridade no âmbito das pessoas jurídicas, altera a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, e dá outras providências.

Art. 1º

A Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos 7º-A, 7º-B, 7º-C e 7º-D:

Art. 7º-A.

A pessoa jurídica poderá requerer ao Poder Judiciário a homologação judicial de seu Programa de Integridade, com o objetivo de obtenção de reconhecimento oficial de conformidade jurídica e institucional, para os fins desta Lei e de outras normas relacionadas à responsabilidade administrativa, cível e penal.

§1º A homologação será realizada mediante ação de natureza declaratória e preventiva, instruída com relatório técnico, auditoria independente e plano de integridade atualizado, observados os critérios definidos em regulamento.

§2º A homologação poderá ser requerida por empresa nacional ou estrangeira que atue em território nacional, inclusive aquelas em processo de recuperação judicial ou sujeitas a acordos de leniência.

§3º A homologação judicial produzirá efeitos por prazo determinado de 3 (três) anos, prorrogável mediante revalidação judicial.

Art. 7º-B.

A homologação judicial de Programa de Integridade produzirá, para fins jurídicos, os seguintes efeitos:

I – presunção relativa de boa-fé objetiva institucional da pessoa jurídica em processos administrativos, cíveis ou penais;

II – possibilidade de atenuação de sanções, inclusive no âmbito da dosimetria da pena, desde que o ilícito imputado não tenha ocorrido por falha sistêmica dolosa ou deliberada;

III – inversão do ônus probatório quanto à existência de dolo institucional, transferindo ao acusador a prova da ineficácia deliberada do sistema;

IV – autorização para suspensão ou redirecionamento de processos judiciais, enquanto vigente a homologação e ausente demonstração de má-fé ou fraude;

V – efeitos positivos na avaliação de idoneidade para participação em licitações, concessões ou contratos administrativos.

Art. 7º-C.

A homologação judicial será processada em vara especializada empresarial ou da fazenda pública, com apoio técnico do Ministério Público, da Controladoria-Geral da União, da Advocacia-Geral da União e de peritos independentes, na forma de regulamento.

§1º O juízo poderá requisitar diligências complementares, perícias e documentos que julgar necessários para comprovar a efetividade do programa.

§2º A decisão de homologação terá natureza de sentença com eficácia prospectiva, produzindo efeitos legais vinculantes nos processos em que a empresa for parte, sem prejuízo de revisão judicial superveniente por má-fé, simulação ou fraude.

Art. 7º-D.

O Poder Executivo regulamentará, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, os requisitos técnicos, formais e operacionais para homologação judicial dos programas de integridade, inclusive quanto à certificação por entidade independente e à criação de cadastro nacional de empresas homologadas.

Art. 2º

Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Resumo Executivo da Proposta Legislativa

Objetivo: Criar um mecanismo legal que permita a homologação judicial de programas de compliance corporativo, com efeitos jurídicos reconhecidos em processos judiciais e administrativos.

Instrumento: Projeto de Lei que altera a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), introduzindo os artigos 7º-A a 7º-D.

Principais efeitos jurídicos da HJPI:

·         Presunção relativa de boa-fé institucional;

·         Inversão do ônus probatório sobre dolo organizacional;

·         Suspensão de sanções e processos durante vigência da homologação;

·         Valorização em licitações e contratos públicos;

·         Estímulo ao investimento privado e à conformidade voluntária.

O presente projeto de lei tem, portanto, finalidade conferir status jurídico normativo e judicialmente vinculante aos programas de integridade empresarial, elevando-os à categoria de instrumento jurídico de conformidade institucional preventiva.

Ao estabelecer a possibilidade de homologação judicial dos sistemas de compliance, a proposta confere segurança jurídica às pessoas jurídicas que atuam de boa-fé, promove a racionalização do processo sancionador, e valoriza a integridade como política pública estruturante no ambiente de negócios brasileiro.

Trata-se de iniciativa inédita no ordenamento jurídico nacional, fundada nos princípios constitucionais da boa-fé, da segurança jurídica e da função social da empresa, e inspirada nas melhores práticas internacionais de governança corporativa e compliance.

9. Justificativa Técnica da Proposta

A proposta legislativa visa subsidiar, com dados empíricos e argumentos normativos, a iniciativa de integrar ao arcabouço legislativo a instituição da Homologação Judicial de Programas de Integridade. A proposta se fundamenta na tese do Compliance Sistêmico com Controle Judicial Prospectivo (CCJP), que busca transformar o compliance em uma instituição jurídica com efeitos preventivos, vinculantes e judicialmente reconhecíveis.

Diagnóstico da Situação Atual

a) Limitações do Modelo Atual

Atualmente, os programas de integridade são tratados majoritariamente como:

  • Requisitos formais para contratação com a Administração Pública (cf. Lei nº 14.133/2021, art. 25, §4º);
  • Critérios de dosimetria de sanções (cf. Lei nº 12.846/2013, art. 7º, VIII);
  • Condições de elegibilidade para acordos de leniência (cf. Decreto nº 11.129/2022, arts. 43-45).

b) Limitações identificadas

  • Não há presunção de eficácia jurídica do compliance;
  • Não há uniformidade entre os órgãos de controle (MPF, CGU, TCU, AGU, Judiciário);
  • O compliance é avaliado a posteriori, de forma reativa e muitas vezes contraditória;
  • Falta segurança jurídica para as empresas que investem preventivamente em integridade.

c) Dados Empíricos sobre a Ineficiência do Modelo Atual

  • Segundo levantamento da CGU (2023), apenas 18% das empresas que firmaram acordos de leniência tinham programas de compliance plenamente implantados antes da detecção do ilícito (Relatório Anual de Integridade Pública. Brasília: CGU, 2023).
  • Relatório da OCDE (2022) aponta que o Brasil carece de mecanismos judiciais de validação prévia de compliance, sendo um dos poucos países do G20 sem instância certificadora com eficácia legal (OCDE. Implementing Effective Anti-Corruption Compliance Measures. Paris: OECD Publishing, 2022).
  • Pesquisa da FGV Direito SP (2023) revelou que 74% dos advogados empresariais consideram o compliance um elemento de defesa com baixa ou nenhuma eficácia nos tribunais (FGV DIREITO SP. Pesquisa: Percepção dos Advogados sobre o Valor Jurídico do Compliance. São Paulo: FGV, 2023).

d) Viabilidade Técnica da Homologação Judicial

A proposta de Homologação Judicial de Programas de Integridade (HJPI) tem plena viabilidade técnica, jurídica e administrativa, conforme as seguintes bases legais:

  • CPC/2015, art. 19 e art. 300: legitimam ações declaratórias preventivas;
  • CLT, art. 855-B: já prevê homologação judicial de acordos extrajudiciais;
  • Lei nº 13.105/2015, art. 515, II: reconhece força de título executivo a decisões homologatórias;
  • Iniciativas similares como o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e os acordos de leniência já gozam de reconhecimento judicial.

e) Capacidade Operacional do Judiciário

  • A especialização de varas empresariais e de fazenda pública permite o julgamento técnico da matéria, com apoio de peritos, CGU e AGU.
  • A digitalização e integração de dados via PJe e plataformas da CGU e do CNJ permitirão automação e fiscalização continuada dos sistemas homologados.

f) Benefícios Previstos

Eixo

Benefício Esperado

Jurídico

Redução da litigiosidade e racionalização da produção probatória

Econômico

Redução de custos de conformidade (compliance defensivo) e estímulo a investimentos estrangeiros

Institucional

Fortalecimento do papel do Judiciário como certificador de condutas lícitas

Governamental

Melhoria da qualidade dos contratos públicos e redução de riscos reputacionais estatais

Social

Promoção da ética empresarial, responsabilidade corporativa e sustentabilidade

g) Projeção Econômica de Impacto (2025–2030)

  • Economia estimada em litígios corporativos: R$ 4,2 bilhões (dados do CNJ e estimativas de litigância por má-fé empresarial)
  • Incremento projetado de investimento externo direto (IED): +1,5% ao ano (dados da UNCTAD e BID)
  • Custo médio de homologação judicial por empresa: R$ 28 mil — frente ao custo médio de litígio estimado em R$ 300 mil (Dados estimados com base em levantamento da CNI, IBRADEMP e CNJ)
  • Redução de sanções administrativas médias: 40%, em casos com sistema de compliance validado por autoridade terceira (Relatório do BID/OCDE: Compliance Systems and Enforcement Outcomes in Latin America, 2022)

Impactos esperados:

  • Redução da litigância reativa;
  • Aumento da previsibilidade regulatória;
  • Qualificação da governança corporativa e da transparência pública;
  • Melhoria da imagem internacional do Brasil em rankings de integridade (e.g. Transparency International).

h) Conclusão da Justificativa Técnica

A Homologação Judicial de Programas de Integridade é uma proposta:

  • Inédita, mas juridicamente possível;
  • Preventiva, e não punitiva, adequada à lógica de um Estado de Direito moderno;
  • Capaz de criar um novo marco regulatório para o compliance no Brasil, com sinergia entre poderes e segurança jurídica para todos os agentes econômicos.

A sua aprovação colocará o Brasil entre os países líderes em institucionalização da integridade corporativa, com uma arquitetura legal robusta, previsível e alinhada às práticas internacionais.

10. Estratégia de Implementação e Adesão Institucional

Fases propostas:

1.     Aprovação Legislativa: Apoio multipartidário com base técnica.

2.     Regulamentação Interministerial: CGU, AGU, MJSP e CNJ como eixos de coordenação.

3.     Criação de Cadastro Nacional de Programas Homologados (CNPH).

4.     Capacitação de juízes e promotores especializados em integridade preventiva.

5.     Campanhas educativas para o setor empresarial e entidades de classe.

Entidades estratégicas para articulação:

  • CGU, AGU, TCU, CNJ, CNMP;
  • FIESP, CNI, IBGC, ETCO, FGV Direito SP, Insper;
  • OCDE, PNUD, BID, Transparência Internacional.

11. Roteiro Legislativo e Atores-Chave

Comissões prioritárias para tramitação na Câmara dos Deputados:

  • Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
  • Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE)
  • Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC)

Apoio esperado de frentes parlamentares:

  • Frente Parlamentar Mista Ética Contra a Corrupção
  • Frente Parlamentar do Empreendedorismo
  • Frente Parlamentar da Indústria e Comércio

12. Considerações Finais

A tese do Compliance Sistêmico com Controle Judicial Prospectivo (CCJP) representa uma evolução normativa inédita no Brasil, que busca transformar o compliance em uma instituição jurídica autônoma, com efeitos vinculantes e preventivos, integrando governança, responsabilidade e segurança jurídica. Ao deslocar o foco do controle punitivo para o controle antecipado e institucional, o modelo propõe uma verdadeira revolução paradigmática na relação entre empresas, Estado e Judiciário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.     BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

2.     BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013.

3.     BRASIL. Decreto nº 11.129, de 11 de julho de 2022. Regulamenta a Lei nº 12.846/2013. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 jul. 2022.

4.     BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1º abr. 2021.

5.     BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 ago. 2018.

6.     BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Lei das Estatais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1º jul. 2016.

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