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LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL

  LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL                                                       PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE MOREIRA Resumo Este artigo analisa, sob uma perspectiva jurídico-doutrinária e jurisprudencial, a Lei nº 15.122/2025 — conhecida como Lei da Reciprocidade Econômica — e o decreto presidencial que a regulamentou, publicado em 14 de Julho de 2025. Trata-se de um marco normativo na estrutura de defesa comercial brasileira, que permite a aplicação de medidas de retaliaç...

A INVIABILIDADE JURÍDICA DA SECESSÃO SULISTA: ANÁLISE CONSTITUCIONAL, DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL À LUZ DO FEDERALISMO BRASILEIRO

 

A INVIABILIDADE JURÍDICA DA SECESSÃO SULISTA: ANÁLISE CONSTITUCIONAL, DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL À LUZ DO FEDERALISMO BRASILEIRO

PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE MOREIRA

Resumo

Este artigo analisa a impossibilidade jurídica da separação da Região Sul do Brasil com base na Constituição Federal de 1988, abordando as cláusulas pétreas que vedam a ruptura do pacto federativo. À luz da jurisprudência do STF e da doutrina constitucional, examina-se a fala do governador Jorginho Mello e o movimento “O Sul é Meu País” sob o prisma da legalidade, da legitimidade democrática e dos limites da autonomia federativa.

Palavras-chave

Secessão; Separatismo; Constituição Federal; Federação; Cláusula Pétrea; Autonomia Regional; O Sul é Meu País.

Abstract

This article examines the legal impossibility of the secession of Brazil's Southern Region, as prohibited by the 1988 Federal Constitution. Through doctrinal and jurisprudential analysis, it evaluates public statements advocating separation, and the regional identity movement “O Sul é Meu País”, within the scope of the constitutional framework that guarantees federal unity and sovereignty.

Keywords

Secession; Separatism; Federal Constitution; Federation; Unbreakable Union; Regional Autonomy.

Sumário

1.     Introdução
 1.1 Contextualização histórica do separatismo no Brasil
 1.2 Objetivo e relevância jurídica do estudo

2.     Fundamentos constitucionais da indissolubilidade da União
 2.1 Cláusulas pétreas e limites à reforma constitucional
 2.2 A federação como princípio estruturante do Estado

3.     A tentativa de secessão à luz do ordenamento jurídico brasileiro
 3.1 Proibições constitucionais à separação territorial
 3.2 Inviabilidade jurídica de projetos separatistas e PECs

4.     O discurso político de Jorginho Mello e os limites da liberdade de expressão institucional
 4.1 Implicações político-jurídicas de manifestações separatistas
 4.2 Responsabilidade funcional e improbidade administrativa

5.     Movimentos separatistas e suas contradições: análise crítica
 5.1 O movimento “O Sul é Meu País” e sua narrativa identitária
 5.2 Fragilidades ideológicas e ausência de plano jurídico viável

6.     O papel do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores na defesa da unidade federativa
 6.1 Jurisprudência constitucional sobre o pacto federativo
 6.2 A atuação do Ministério Público como garantidor da ordem constitucional

7.     Considerações finais
 7.1 Conclusão sobre a impossibilidade jurídica da secessão
 7.2 Recomendações à advocacia pública e constitucional

8.     Referências e Bibliografia

1. Introdução

A federação brasileira é fundada sobre o princípio da indissolubilidade da União, constante no caput do art. 1º da Constituição Federal de 1988. Propostas de secessão regional, como a evocada pelo movimento “O Sul é Meu País”, ou por manifestações de autoridades políticas, como a recente fala do governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, devem ser analisadas com base na dogmática constitucional, na jurisprudência consolidada e na responsabilidade político-institucional decorrente.

1.1 Contextualização histórica do separatismo no Brasil

O ideário separatista no Brasil remonta ao período imperial e à Primeira República, marcado por revoltas regionais contra o centralismo do poder sediado no Rio de Janeiro. A Revolução Farroupilha (1835–1845), no Rio Grande do Sul, e a Guerra do Contestado (1912–1916), entre Santa Catarina e Paraná, são expressões históricas de tensões entre autonomia local e dominação central. Esses episódios, embora não formalmente separatistas em sua origem, revelam elementos embrionários de resistência à forma unitária de poder que se consolidou na estrutura político-administrativa brasileira.

Na Constituição de 1824, vigente no Império, o Estado brasileiro era unitário, e as províncias possuíam escassa autonomia. Com a proclamação da República e a Constituição de 1891, adota-se o modelo federativo, influenciado pelos Estados Unidos, o que ampliou as prerrogativas estaduais, mas manteve a centralidade da soberania na União.

Durante o século XX, tentativas de organização político-partidária com orientação separatista foram observadas em momentos de instabilidade institucional, como a fundação do Partido da República Farroupilha no final da década de 1980. Já no contexto contemporâneo, o surgimento do movimento “O Sul é Meu País” em 1992 representa uma reatualização dessa pauta sob roupagem cívico-regionalista, com ênfase na autossuficiência econômica e na identidade cultural dos três estados sulistas.

Contudo, tais movimentos carecem de respaldo jurídico-constitucional, pois colidem frontalmente com o princípio da indissolubilidade da União estabelecido na Constituição de 1988. A análise histórica evidencia que, embora o separatismo tenha raízes sociológicas relevantes, juridicamente jamais encontrou espaço legítimo no constitucionalismo brasileiro, tendo sido consistentemente neutralizado pela estrutura normativa do Estado nacional.

1.2 Objetivo e relevância jurídica do estudo

O presente artigo tem por objetivo analisar, à luz do arcabouço jurídico-constitucional brasileiro, a inviabilidade da secessão da Região Sul do território nacional, conforme tem sido aventado por determinados movimentos políticos e sociais contemporâneos, bem como por manifestações públicas de autoridades. Para tanto, parte-se de uma análise sistemática da Constituição Federal de 1988, identificando os dispositivos legais que vedam a fragmentação do Estado e asseguram a sua unidade política e territorial.

Além disso, o estudo visa destacar os limites jurídicos da autonomia federativa, diferenciando-a da ideia de soberania regional, frequentemente confundida por discursos separatistas. Tais confusões conceituais têm repercussão relevante no debate público e podem induzir interpretações equivocadas quanto à licitude de movimentos separatistas em ambiente democrático.

A relevância jurídica da presente investigação justifica-se, portanto, não apenas pela atualidade do tema – reacendido por declarações públicas recentes e por articulações de grupos organizados –, mas também pela necessidade de esclarecer, sob fundamento técnico, os limites constitucionais ao exercício da autodeterminação interna.

Trata-se, ainda, de contribuição para o campo do Direito Constitucional, particularmente no que concerne à preservação das cláusulas pétreas, à atuação dos entes federativos, e ao controle da legalidade das manifestações públicas por autoridades eleitas. Busca-se, com isso, fornecer subsídios teóricos e práticos aos operadores do Direito na interpretação e aplicação dos dispositivos constitucionais que regem a federação brasileira.

2. Fundamentos constitucionais da indissolubilidade da União

A forma federativa de Estado é uma cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, inciso I, da CF/88, sendo, portanto, insuscetível de alteração mesmo por meio de emenda constitucional¹. A doutrina é uniforme em afirmar que a federação brasileira não admite autodeterminação interna de partes do território nacional.

Segundo Gilmar Mendes, “a federação brasileira é centrípeta e sua unidade é uma condição inegociável de validade do pacto constitucional”². Bonavides reforça que “a ideia de separação é inconciliável com o federalismo brasileiro, porque a soberania pertence à República como um todo, e não aos entes federados isoladamente”³.

2.1 Cláusulas pétreas e limites à reforma constitucional

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao tratar do processo de emenda constitucional no art. 60, institui o sistema de cláusulas pétreas como mecanismo de preservação dos fundamentos estruturantes do Estado. Dentre elas, encontra-se, expressamente, a forma federativa de Estado, cuja manutenção é insuscetível de alteração mesmo por meio de emenda constitucional (art. 60, § 4º, inciso I).

Tais cláusulas configuram limites materiais ao poder constituinte derivado reformador, de modo que qualquer proposta que “tenda a abolir” a forma federativa — o que inclui, por extensão lógica e doutrinária, projetos de secessão ou de supressão de competências essenciais da União — é inadmissível do ponto de vista formal e substancial. Isso significa que não apenas é vedada a promulgação de uma emenda com esse conteúdo, como sequer se admite sua tramitação no Congresso Nacional.

A doutrina constitucional é pacífica nesse sentido. Gilmar Mendes observa que “as cláusulas pétreas são verdadeiros núcleos de estabilidade do ordenamento constitucional, que não se submetem ao arbítrio da conjuntura política nem à maioria parlamentar” (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 113). Alexandre de Moraes, por sua vez, destaca que “a cláusula pétrea da forma federativa impede, inclusive, reformas que desestruturem a repartição de competências entre os entes federados” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 39. ed. São Paulo: Atlas, 2024, p. 91).

Assim, qualquer tentativa de modificação do modelo de federação brasileiro — seja para permitir a independência de uma unidade federativa, seja para esvaziar as atribuições centrais da União — constitui violação direta e grave ao pacto constitucional, estando sujeita a controle de constitucionalidade concentrado pelo Supremo Tribunal Federal.

2.2 A federação como princípio estruturante do Estado

A forma federativa de Estado constitui não apenas uma técnica de organização político-administrativa, mas sim um princípio constitucional estruturante, que permeia toda a arquitetura da Constituição Federal de 1988. Trata-se de um modelo que busca conciliar a unidade nacional com a autonomia dos entes federados, garantindo a coesão institucional sem subverter a descentralização administrativa.

Ao contrário do federalismo assimétrico ou contratualista — como se observa nos Estados Unidos ou na antiga Iugoslávia —, a federação brasileira não se funda na soberania dos entes componentes, mas sim na soberania una e indivisível da República Federativa do Brasil, conforme o art. 1º, inciso I, da CF. Nesse sentido, a autonomia dos estados é limitada, subordinada à unidade do Estado soberano.

Como ensina Paulo Bonavides (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2022, p. 149), a federação brasileira caracteriza-se por sua natureza centrípeta, sendo formada de cima para baixo, e não o contrário. Ele afirma:

“A União não é somatório de vontades soberanas regionais; é uma entidade una, jurídica e politicamente indivisível.”

Esse modelo, consolidado em todas as Constituições republicanas do Brasil desde 1891, foi reafirmado em 1988 com ainda mais ênfase, especialmente mediante os dispositivos que vedam a secessão (art. 1º, caput, e art. 60, § 4º, I) e aqueles que regulam a competência exclusiva da União para legislar sobre soberania, defesa nacional e relações exteriores (art. 21 e art. 22).

Dessa forma, a federação não apenas estrutura o exercício do poder político e administrativo, mas também define os contornos de legitimidade para quaisquer pretensões de reorganização do território nacional, não admitindo, sob qualquer aspecto, a ruptura unilateral da unidade federativa.

3. A tentativa de secessão à luz do ordenamento jurídico brasileiro

O art. 18, § 3º, da CF prevê apenas a reorganização territorial interna, como desmembramento ou fusão de estados, mediante plebiscito da população diretamente interessada e aprovação por lei complementar federal. Não há previsão de emancipação de estados para formação de nova república, tampouco para desvinculação unilateral.

Propostas de emenda tendentes à supressão da forma federativa, como a que vem sendo redigida por representantes do movimento separatista sulista, são inegavelmente inconstitucionais por afronta direta à cláusula pétrea do art. 60, § 4º, I⁴.

3.1 Proibições constitucionais à separação territorial

O ordenamento constitucional brasileiro estabelece vedações explícitas e implícitas à separação territorial de qualquer de suas unidades federativas. Em primeiro lugar, a Constituição consagra, em seu art. 1º, o princípio da indissolubilidade da União, que é reafirmado no art. 60, § 4º, inciso I, ao listar a forma federativa de Estado como cláusula pétrea, ou seja, insuscetível de modificação sequer por meio de emenda constitucional.

Além disso, o art. 18, § 3º, da Constituição trata da reorganização interna do território nacional, autorizando, sob condições específicas, a criação, fusão e desmembramento de estados ou municípios, mediante aprovação por plebiscito das populações diretamente interessadas e por lei complementar aprovada pelo Congresso Nacional. Tal dispositivo, contudo, não autoriza a emancipação de entes para formação de um Estado soberano ou estrangeiro, restringindo-se a reorganizações internas sob o mesmo pacto federativo.

Importa observar que a proposta de criação de uma nova República — como aventada pelo movimento “O Sul é Meu País” — não possui qualquer respaldo jurídico na Constituição, sendo inteiramente incompatível com os princípios da soberania nacional, da unidade da República e da indivisibilidade do território. Tal proposição, se materializada, constituiria violação da ordem constitucional e poderia ensejar medidas excepcionais, como intervenção federal nos termos do art. 34, inciso I, da CF.

Por fim, a tentativa de formalização de um processo de secessão, mesmo por vias parlamentares ou plebiscitárias, esbarraria no controle de admissibilidade de Propostas de Emenda à Constituição (PECs), uma vez que as mesmas não podem ser sequer objeto de deliberação se implicarem violação das cláusulas pétreas, conforme interpretação sistemática do art. 60 da CF.

3.2 Inviabilidade jurídica de projetos separatistas e PECs

A inviabilidade jurídica de qualquer projeto de secessão, mesmo que tentado por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), decorre diretamente dos limites materiais ao poder reformador, expressamente fixados pela Constituição de 1988. Conforme já mencionado, o art. 60, § 4º, inciso I, proíbe a deliberação de emendas que tendam a abolir a forma federativa de Estado, o que abrange tanto a ruptura do pacto federativo quanto a redução substancial das competências da União.

Nesse contexto, a simples apresentação de PEC que proponha a emancipação de uma região federativa ou a criação de um novo país configuraria iniciativa juridicamente natimorta, devendo ser rejeitada liminarmente pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por afronta direta à Constituição. Não se trata de vício sanável ou de questão política passível de deliberação democrática, mas sim de matéria inconstitucional por essência.

O Supremo Tribunal Federal, embora ainda não tenha julgado diretamente a admissibilidade de PECs separatistas, já se manifestou em diversos precedentes que a cláusula pétrea da forma federativa não admite sequer “tendência” abolicionista, adotando interpretação extensiva do termo “tendente”, conforme a doutrina constitucional dominante¹.

Ademais, uma PEC que esvazie competências centrais da União — como a proposta pelo movimento “O Sul é Meu País”, que prevê restringir o poder federal à política externa e à defesa — também estaria vedada por subverter o pacto federativo, sendo equivalente funcional à fragmentação da soberania nacional. Tal proposta extrapola o campo da reforma e adentra o domínio da ruptura constitucional, o que não é permitido em regimes constitucionais rígidos como o brasileiro².

Portanto, toda e qualquer proposta com esse objeto está condenada à inconstitucionalidade ab initio, tanto sob a ótica formal quanto substancial.

4. O discurso político de Jorginho Mello e os limites da liberdade de expressão institucional

A declaração do governador de Santa Catarina, feita em evento público, sugerindo a separação da Região Sul do restante do Brasil, mesmo com conotação informal, acende o debate sobre os limites da liberdade de expressão de autoridades públicas no regime democrático.

O exercício da liberdade de expressão por agentes estatais encontra-se vinculado à moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF) e aos princípios da legalidade, impessoalidade e supremacia do interesse público. A jurisprudência do STF é clara no sentido de que a atuação de agentes públicos deve ser compatível com os valores fundamentais da República:

“A manifestação de agentes políticos deve respeitar os valores constitucionais, notadamente quando possam ensejar a erosão das estruturas democráticas.” (STF, MS 26.602/DF, Rel. Min. Cezar Peluso)⁵.

Assim, ainda que revestida de informalidade, a retórica separatista, proferida por autoridade com mandato eletivo e função constitucional definida (art. 25 da CF), pode implicar responsabilidade política-administrativa, quando desacompanhada de compromisso com a unidade nacional.

4.1 Implicações político-jurídicas de manifestações separatistas

A manifestação pública de ideias separatistas por agentes políticos detentores de mandatos eletivos, especialmente chefes do Poder Executivo estadual, transcende o campo meramente opinativo e ingressa na esfera das responsabilidades político-institucionais, à luz do regime constitucional vigente.

No caso da declaração proferida pelo governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, em evento público, mesmo que revestida de tom informal, o conteúdo implicou menção direta à criação de um “país do Sul”, sugerindo separação da federação brasileira. Tal pronunciamento, quando emanado de autoridade com função institucional definida no art. 25 da Constituição, suscita graves preocupações jurídicas.

O ordenamento jurídico nacional não concede imunidade absoluta a agentes públicos quanto à liberdade de expressão, principalmente quando o discurso atenta contra os fundamentos do Estado (art. 1º da CF), como é o caso da soberania, da forma federativa de Estado e da unidade nacional. A manifestação, nesse contexto, pode configurar abuso de função pública e ensejar apuração por meio de ação de improbidade administrativa, responsabilidade político-administrativa, e eventual responsabilidade penal, se a manifestação for interpretada como incitação à subversão da ordem constitucional.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece que manifestações de agentes públicos, que afrontem os valores constitucionais estruturantes, não estão protegidas pelo manto da liberdade de opinião institucional. Conforme asseverado no Mandado de Segurança nº 26.602/DF (STF, MS 26.602/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 15.05.2007, DJe 22.06.2007), o STF reafirmou que a conduta de agentes políticos deve se coadunar com o respeito à Constituição e à legalidade republicana.

Portanto, mesmo em contextos informais, o discurso separatista, quando emanado de governantes, pode representar violação constitucional relevante, cabendo atuação corretiva dos mecanismos institucionais competentes, inclusive o controle judicial.

4.2 Responsabilidade funcional e improbidade administrativa

O exercício do cargo público, especialmente em nível de chefia do Poder Executivo estadual, exige observância irrestrita aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e, portanto, implica na lealdade à ordem jurídica vigente (art. 37, caput, da CF). Assim, manifestações públicas que afrontem a integridade do Estado e proponham, direta ou indiretamente, a ruptura do pacto federativo, podem configurar atos de improbidade administrativa e ensejar responsabilização funcional e institucional.

Constitui ato de improbidade que atenta contra os princípios da administração pública “qualquer ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”. Nesse sentido, a defesa ou sugestão de secessão regional, por autoridade pública, pode ser enquadrada como afronta à lealdade institucional, notadamente se praticada no exercício da função pública ou com uso da estrutura administrativa.

Além disso, a responsabilidade política do governador, prevista no art. 85, inciso I, da CF, pode ser suscitada em razão de “atos que atentem contra a existência da União”, entre os quais se inclui a tentativa de alterar a forma federativa de Estado ou incitar a desobediência à Constituição.

A eventual responsabilização, porém, exige prova inequívoca de dolo — o que, nos casos de manifestações informais ou ambíguas, pode representar obstáculo probatório relevante. Todavia, uma reiteração de discursos dessa natureza, associada a medidas administrativas que visem instrumentalizar a secessão, poderia configurar contexto de ilicitude funcional e ensejar atuação do Ministério Público, da Assembleia Legislativa estadual e, em tese, da própria União.

A doutrina constitucional assevera que os princípios da Administração não se limitam à gestão técnica, mas abarcam também a conduta política compatível com o Estado Democrático de Direito, sendo incompatível com os deveres do cargo a proposição de medidas que afrontem a unidade da República.

5. Movimentos separatistas e suas contradições: análise crítica

O movimento “O Sul é Meu País”, ativo desde os anos 1990, é frequentemente citado como sustentáculo simbólico do separatismo sulista. Contudo, seus fundamentos carecem de solidez jurídica, constitucional e até ideológica.

Conforme pesquisa sociológica de Gabriel Pancera Aver, a identidade promovida pelo movimento é ambígua e contraditória, misturando referências a indígenas históricos com tradições europeias, o que revela fragilidade discursiva e falta de coesão programática⁶.

A proposta de uma PEC para reduzir as competências da União à política externa e defesa, conforme anunciado pelo presidente do movimento, Ivan Feloniuk, carece de juridicidade, pois esbarra diretamente nas cláusulas pétreas da Constituição. A doutrina é categórica: nem mesmo emenda constitucional pode reduzir o núcleo essencial da federação⁷.

Além disso, a consulta informal realizada em 2017, com apenas 2% de participação eleitoral nos três estados, demonstra ausência de legitimidade representativa e reduzida capilaridade social efetiva da proposta separatista⁸.

5.1 O movimento “O Sul é Meu País” e sua narrativa identitária

O movimento “O Sul é Meu País”, fundado oficialmente em 1992, representa o principal articulador contemporâneo da ideologia separatista na Região Sul do Brasil. Ainda que careça de personalidade jurídica estatal ou representação parlamentar, apresenta estrutura organizacional consolidada, com congressos periódicos, diretórios regionais e propostas de atuação política — como a elaboração de uma PEC para reconfiguração do modelo federativo nacional.

A retórica do grupo fundamenta-se na noção de que os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são economicamente autossuficientes e culturalmente distintos do restante do país, sustentando, portanto, o direito a uma suposta autodeterminação regional. No entanto, tal fundamentação esbarra em contradições históricas e jurídicas, como demonstrado por estudos sociológicos recentes (AVER, Gabriel Pancera. Entrevista à BBC News Brasil, 2025. Disponível em: G1 - BBC Brasil).

A identidade construída pelo movimento mescla elementos indígenas, europeus e locais, em uma tentativa de reforçar a especificidade do “ser sulista”, o que se revela ideologicamente fluido e fragmentado. Essa construção simbólica serve mais a um projeto de distinção política do que a uma agenda institucional viável, carecendo de plano estratégico de governança, viabilidade fiscal e reconhecimento internacional — requisitos elementares à constituição de um novo Estado soberano.

Além disso, o argumento de que o Sul contribui mais do que recebe da União, frequentemente usado pelo movimento, não encontra respaldo técnico sólido nos dados fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional, tampouco justifica juridicamente a ruptura federativa. O princípio da solidariedade regional, previsto implicitamente no modelo de redistribuição da receita tributária nacional (arts. 157 a 162 da CF), visa corrigir assimetrias históricas, sendo compatível com o Estado Social de Direito.

Portanto, a narrativa identitária do movimento, embora politicamente mobilizadora em contextos específicos, não possui densidade jurídico-constitucional para sustentar qualquer pretensão legítima de secessão, limitando-se a uma pauta retórica com baixa repercussão jurídica efetiva.

5.2 Fragilidades ideológicas e ausência de plano jurídico viável

A análise crítica dos documentos e discursos produzidos pelo movimento “O Sul é Meu País” revela um conjunto de fragilidades ideológicas e de lacunas programáticas que comprometem profundamente a legitimidade e viabilidade de sua proposta separatista. Diferentemente de movimentos autonomistas com articulação institucional clara — como o catalanismo na Espanha ou o nacionalismo escocês no Reino Unido —, o separatismo sulista brasileiro carece de fundamentação jurídica concreta, plano de transição e coerência normativa.

O próprio estatuto e as publicações do movimento são marcados por generalidades e por uma concepção difusa do que seria a nova “nação do Sul”. Não há proposta constitucional redigida, modelo econômico delineado, estrutura de cidadania formulada ou diretrizes de reconhecimento diplomático. Além disso, inexiste qualquer articulação institucional com os parlamentos estaduais ou com o Congresso Nacional que indicasse um caminho legal para a transformação pretendida.

Do ponto de vista jurídico, a ausência de um plano compatível com o direito internacional e com o direito constitucional brasileiro torna a proposta inóqua, aproximando-se mais de uma expressão de descontentamento político-regional do que de uma tese jurídica defensável. A doutrina internacional de autodeterminação dos povos — por vezes invocada equivocadamente pelo grupo — aplica-se exclusivamente a contextos coloniais ou de opressão sistemática de minorias étnicas ou culturais, situação completamente estranha à realidade federativa brasileira (CASSESE, Antonio. Self-Determination of Peoples: A Legal Reappraisal. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 46-49).

Além disso, o movimento não apresenta resposta jurídica consistente à questão da titularidade da soberania, que, segundo a Constituição de 1988 (art. 1º, parágrafo único), reside no povo brasileiro como um todo, não em partes ou segmentos regionais isolados.

Em suma, o separatismo sulista, sob a forma proposta, não se sustenta juridicamente nem do ponto de vista da legitimidade constitucional interna, nem sob os critérios mínimos do direito internacional público, limitando-se a um discurso ideológico fragmentado, desprovido de ancoragem jurídica válida.

6. O papel do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores na defesa da unidade federativa

A Corte Constitucional brasileira desempenha papel central na preservação da integridade da federação. A jurisprudência do STF reforça que a forma federativa é princípio estruturante da Constituição, sendo inviolável por qualquer proposta legislativa.

Na ADI 875/DF, o STF afirmou que:

“A Constituição estabelece a forma federativa de Estado como cláusula pétrea, e nela se insere a partilha de competências entre os entes federados, bem como a indissolubilidade da União.”⁹

Além disso, o Ministério Público pode agir em defesa do pacto federativo, promovendo ações civis ou penais contra atos atentatórios à ordem constitucional, com base nos arts. 127 e 129 da CF.

6.1 Jurisprudência constitucional sobre o pacto federativo

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) consolida o entendimento de que a forma federativa de Estado constitui um dos pilares inegociáveis da Constituição de 1988, sendo protegida por cláusula pétrea e imune à modificação por meio de emenda. Em reiterados julgados, a Corte tem reafirmado a intocabilidade da unidade federativa, mesmo diante de pressões políticas ou regionais por maior autonomia.

O Tribunal também reconhece, em decisões como o RE 183.907/SP, que a soberania pertence à República Federativa do Brasil como um todo, inviabilizando qualquer pretensão de fracionamento do território nacional. Tal entendimento possui aplicação direta sobre eventuais iniciativas de emancipação regional, ainda que respaldadas por consultas populares informais ou movimentos organizados.

Ademais, o STF tem afirmado que a cláusula pétrea não protege apenas a forma da federação em sentido estrito, mas também a distribuição de competências que lhe é inerente, o que obsta, por exemplo, tentativas de esvaziamento funcional da União — como propostas para reduzir suas atribuições à política externa e à defesa.

Portanto, sob o prisma da jurisprudência constitucional, qualquer tentativa de separação territorial, mesmo por via legislativa, é juridicamente inadmissível, e poderá ensejar controle de constitucionalidade e medidas judiciais corretivas.

6.2 A atuação do Ministério Público como garantidor da ordem constitucional

O Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, tem, entre suas atribuições constitucionais (art. 127 da CF), o dever de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesse escopo, insere-se a sua atuação na tutela da unidade federativa e da integridade territorial do Estado brasileiro.

Conforme o art. 129, inciso II, da Constituição, é função institucional do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição”. Assim, o parquet pode promover ações civis públicas, inquéritos civis e medidas judiciais e extrajudiciais para impedir a difusão de propostas inconstitucionais de secessão, sobretudo quando derivadas de órgãos oficiais, associações civis ou agentes políticos.

Adicionalmente, nos termos da Lei Complementar nº 75/1993, o Ministério Público da União, por meio da Procuradoria-Geral da República, pode atuar junto ao Supremo Tribunal Federal para propor ações diretas de inconstitucionalidade, arguições de descumprimento de preceito fundamental e outras medidas cabíveis em defesa da cláusula pétrea da forma federativa de Estado.

O Ministério Público também possui legitimidade para atuar em processos por improbidade administrativa (art. 17 da Lei nº 8.429/1992) contra autoridades que, no exercício de função pública, promovam ou incentivem projetos que atentem contra os princípios da lealdade institucional e da unidade nacional. Em casos mais graves, pode requerer medidas cautelares para suspensão de atos administrativos ou de campanhas institucionais de cunho separatista.

Portanto, o Ministério Público atua como barreira jurídica à erosão dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, exercendo função estratégica na contenção de iniciativas inconstitucionais que atentem contra o pacto federativo.

7. Considerações finais

A tentativa de secessão sulista, sob qualquer pretexto identitário, fiscal ou cultural, não encontra respaldo na ordem jurídica brasileira. A Constituição veda expressamente a quebra do pacto federativo, mesmo por via de emenda, estabelecendo a indissolubilidade da União como núcleo intangível do Estado Democrático de Direito.

Embora movimentos regionais possam fomentar debates legítimos sobre descentralização administrativa ou aprimoramento da autonomia federativa, ultrapassar esses limites em direção à ruptura institucional configura violação direta à Constituição Federal.

A manifestação de autoridades públicas deve observar rigorosamente os compromissos constitucionais que regem a unidade da República, sob pena de implicações jurídico-políticas. A advocacia constitucional e o controle jurisdicional exercido pelos Tribunais Superiores são pilares essenciais para a contenção de discursos e projetos que ameaçam a integridade nacional.

Após a análise do arcabouço constitucional brasileiro, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da doutrina majoritária, conclui-se de forma inequívoca que não existe qualquer possibilidade jurídica de secessão da Região Sul ou de qualquer outra parte do território nacional no modelo constitucional vigente.

A Constituição de 1988 erigiu a forma federativa de Estado à condição de cláusula pétrea, protegida de alteração inclusive por emenda constitucional (art. 60, § 4º, I), o que impede qualquer tentativa, direta ou indireta, de ruptura do pacto federativo. Esta vedação inclui a separação territorial, a desagregação da soberania nacional e a transformação de entes federados em Estados independentes.

O direito de autodeterminação, ainda que reconhecido no plano internacional, não se aplica a regiões de Estados soberanos que vivam em regime democrático e constitucional, como o Brasil. A invocação deste princípio por movimentos como “O Sul é Meu País” configura desvio interpretativo e uso indevido de normas do direito internacional público.

Mesmo sob o ponto de vista político e legislativo, propostas de criação de uma nova república sulista — ainda que formalizadas por PECs — são inadmissíveis do ponto de vista jurídico, e devem ser barradas pela cláusula de proibição de deliberação de emendas tendentes à abolição da federação.

Assim, não há margem interpretativa ou procedimental que permita, dentro do Estado Democrático de Direito, a realização legítima, válida ou eficaz de qualquer projeto separatista no Brasil. Toda e qualquer tentativa nesse sentido configura ofensa à Constituição e pode ensejar medidas de responsabilização política, administrativa, cível e eventualmente penal.

Diante da impossibilidade jurídica da secessão, é imperativo que os operadores do Direito, especialmente os que atuam nas áreas constitucional e administrativa, estejam atentos às nuances legais, políticas e institucionais envolvidas na discussão separatista. A advocacia pública, particularmente no âmbito das Procuradorias-Gerais dos Estados e da União, deve agir de forma preventiva e pedagógica, orientando gestores públicos quanto aos limites constitucionais de seus discursos e iniciativas.

Recomenda-se, ainda:

·         Atuação junto aos Tribunais de Contas e Ministérios Públicos, para fiscalizar eventuais gastos públicos com ações que promovam ideologias contrárias à Constituição;

·         Promoção de pareceres jurídicos internos que esclareçam a inconstitucionalidade de iniciativas separatistas, mesmo sob a forma de consultas populares, campanhas cívicas ou projetos de leis estaduais;

·         Capacitação de agentes políticos e servidores públicos, por meio de cursos de formação continuada sobre federalismo, cláusulas pétreas e soberania;

·         Acompanhamento legislativo de projetos que visem alterar o equilíbrio das competências federativas, ainda que sob pretextos de reforma fiscal ou administrativa.

A advocacia constitucional, por sua vez, tem papel decisivo na preservação da unidade nacional. Cabe-lhe oferecer resistência técnica a propostas inconstitucionais, propor ações judiciais cabíveis e fomentar o debate acadêmico-jurídico a partir de critérios dogmáticos sólidos, evitando a naturalização de discursos inconstitucionais travestidos de regionalismo legítimo.

Em conclusão, cabe à comunidade jurídica defender, em todas as instâncias, a integridade normativa da Constituição Federal de 1988, garantindo que a liberdade política e a autonomia regional jamais sirvam de pretexto para a erosão dos fundamentos da República, enquanto estivermos sob a vigência da atual Ordem Constitucional de 1988.

8. Referências e Bibliografia

Notas de Rodapé

1.     Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 60, § 4º, I: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.”

2.     MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 112.

3.     BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2022, p. 153.

4.     MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 39. ed. São Paulo: Atlas, 2024, p. 87.

5.     STF, Mandado de Segurança n.º 26.602/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 15.05.2007.

6.     AVER, Gabriel Pancera. Entrevista à BBC News Brasil, 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina.

7.     MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2023.

8.     Dados do Movimento “O Sul é Meu País” referentes à consulta pública de 2017.

9.     STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 875/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 06/10/2000.

10. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2022.

11. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 39. ed. São Paulo: Atlas, 2024.

12. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

13. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

 

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