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LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL

  LEI DE RECIPROCIDADE E SEU DECRETO REGULAMENTADOR DE 14 DE JULHO DE 2025 - INSTRUMENTOS DE SOBERANIA ECONÔMICA: ANÁLISE JURÍDICO-DOUTRINÁRIA DA LEI Nº 15.122/2025 E SUA REGULAMENTAÇÃO - UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO PARA OS OPERADORES DO DIREITO ECONÔMICO, DO DIREITO INTERNACIONAL E DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL                                                       PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE MOREIRA Resumo Este artigo analisa, sob uma perspectiva jurídico-doutrinária e jurisprudencial, a Lei nº 15.122/2025 — conhecida como Lei da Reciprocidade Econômica — e o decreto presidencial que a regulamentou, publicado em 14 de Julho de 2025. Trata-se de um marco normativo na estrutura de defesa comercial brasileira, que permite a aplicação de medidas de retaliaç...

A INCONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS ACIMA DE 40 e 60 SALÁRIOS-MÍNIMOS, NA HIPÓTESE DE AÇÕES ORIUNDAS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS (JEC), E JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS (JEF), RESPECTIVAMENTE, COMO LIMITAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE AÇÃO IMPOSTA PELAS LEIS DE REGÊNCIA, À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

A INCONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS ACIMA DE 40 e 60 SALÁRIOS-MÍNIMOS, NA HIPÓTESE DE AÇÕES ORIUNDAS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS (JEC), E JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS (JEF), RESPECTIVAMENTE, COMO LIMITAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE AÇÃO IMPOSTA PELAS LEIS DE REGÊNCIA, À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE MOREIRA

1. Resumo

Resumo

Este artigo analisa, com profundidade, a constitucionalidade da limitação imposta pela Lei nº 9.099/1995, que restringe ao montante de até 40 (quarenta) salários‑mínimos o crédito exigível via Juizado Especial Cível, ainda que superados durante o trâmite processual em razão de fraudes contratuais, descontos previdenciários ou acréscimos legais. Avalia-se se referida restrição fere o princípio do acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF/88, bem como o direito fundamental ao contraditório e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 5º, LIV e LV). O estudo acompanha a evolução legislativa, os projetos em curso, a doutrina contemporânea e a jurisprudência dos Tribunais Superiores. Demonstra-se a existência de tendências inovadoras – no âmbito público e privado – que buscam eliminar barreiras legais e ampliar a efetividade do direito de ação e de execução. Ao final, apresentam-se recomendações práticas para advogados e legisladores.

Abstract

This article provides a comprehensive analysis of the constitutional implications of the 40‑minimum‑wage cap imposed by Law 9.099/1995 on claims in the Small Claims Courts (Juizados Especiais Cíveis), particularly in cases where post‑filing accruals—e.g. due to contractual frauds or pension deductions—exceed the limit. It examines whether such restriction violates the access to justice principle (art.5, XXXV, CF/88) and the right to effective jurisdictional protection. The paper traces legislative developments, current initiatives, contemporary doctrine and Superior Court precedents. It highlights ongoing public and private innovations aimed at enhancing procedural fairness. Finally, the article offers practical guidance for practitioners and policymakers.

Palavras‑chave

Acesso à Justiça; Juizados Especiais Cíveis; Constituição Federal; Limite de 40 salários‑mínimos; Direito de Ação; Execução de Sentença; Fraude Contratual; Direito Processual Civil.

Keywords

Access to Justice; Small Claims Courts; Federal Constitution; 40-Minimum-Wage Limit; Right of Action; Judgment Enforcement; Contractual Fraud; Civil Procedure Law.

2. Sumário

1.     Introdução

2.     Limite de valor no JEC: finalidade e crítica

3.     A natureza jurídica do direito de ação e sistema de Juizados

4.     Análise Constitucional: princípio da inafastabilidade e efetividade da tutela

5.     Legislação correlata e projetos em tramitação

6.     Evolução doutrinária

7.     Jurisprudência relevante dos Tribunais Superiores

8.     Inovações legislativas e práticas no setor público e privado

9.     Pontos relevantes para atuação dos advogados

10. Conclusão

11. Bibliografia

3. Introdução

O instituto dos Juizados Especiais Cíveis (JEC), regulado pela Lei nº 9.099/1995, foi criado a partir de mandamento constitucional expresso (art. 98, I, CF). O objetivo foi promover solução alternativa, célere e informal de conflitos de menor complexidade, com acesso facilitado ao jurisdicionado.

Para tanto, a lei impõe dois limites à admissão da demanda: (i) quantitativo – até 40 salários-mínimos (atualizado por projeto em exame ao patamar de 60 SM) ¹; (ii) qualitativo – causa prevista no art. 3º, II‑IV. A controvérsia se origina quando, superada a causa de pedir ou decorrentes da própria execução, o crédito excede o teto inicialmente fixado.

Neste contexto, emerge a situação paradigmática do ajuizamento visando suspender a exigibilidade de contratos fraudulentos que oneram benefícios previdenciários: embora o valor inicial seja inferior a 40 SM, posteriormente torna‑se superior. Na fase de execução, limita-se o recebimento ao valor inicialmente estipulado, interpretando a cifra como “teto absoluto”, e não de competência. Tal postura suscita graves questionamentos constitucionais, ao tolher o direito à solução integral do litígio.

4. Limite de valor no JEC: finalidade e crítica

O art. 3º, caput, da Lei nº 9.099/1995 subordina os JEC a causas cujo valor não exceda 40 SM (em breve 60 SM por projeto), exceto quando atender ao critério qualitativo.

Entretanto, a fixação do teto foi meramente voltada ao delimitar a competência, não o montante máximo da condenação.

A Turma Nacional de Uniformização, no âmbito dos JEF, reconheceu capacidade de condenação superior ao teto inicial, quanto a atrasados supervenientes possível receber valores não computados no ajuizamento, com juros e correção.

Esse entendimento sublinha que o limite serve apenas à delimitação, e não à supressão do crédito jus exigendi devido ao jurisdicionado.

5. Direito Constitucional à Ação e ao Acesso à Justiça

5.1. Ação como direito fundamental

Conforme art. 5º, XXXV, CF/88, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Tal dispositivo consagra o direito fundamental à ação, entendido como hipótese de ingresso em juízo, acesso ao processo e, por consequência, à execução integral do julgado.

5.2. Efetividade da tutela e contraditório

Ademais, os arts. 5º, LIV e LV, asseguram o devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Limitar a condenação materialmente, por imposição legal, contraria o princípio constitucional da efetividade do provimento jurisdicional.

6. Legislação correlata e projetos em tramitação

O Projeto de Lei nº 4056/2024, em trâmite na Câmara, propõe:

  • Elevação do teto competência de 40 para 60 SM para causas de menor complexidade;
  • Atribuição de competência absoluta aos JEC para causas até 60 SM;
  • Possibilidade de custas e honorários acima de 20 SM.

Essas mudanças revelam tendência legislativa de modernização e reconhecimento da necessidade de adaptabilidade do sistema, sem, porém, suprimir o direito à execução plena.

A proposta equipara o teto ao praticado pelos JEF e Fazendas Públicas, atualmente cerca de R$ 91.080,00 (60 SM).

7. Jurisprudência relevante dos Tribunais Superiores

A jurisprudência nacional, sobretudo dos Juizados Especiais Federais (JEF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidou o entendimento de que o valor da condenação pode ultrapassar o limite de alçada, ainda que o valor da causa – atribuído na petição inicial – esteja abaixo de 40 salários-mínimos.

a) STJ – Tema repetitivo 1.030

O STJ firmou tese, no julgamento do Tema 1.030 (Incidente de Recursos Repetitivos), permitindo que o autor renuncie expressamente aos valores que excedam 60 salários-mínimos, até mesmo considerando as 12 prestações vincendas, para fins de evitar a incompetência do Juizado Especial Federal.

b) TNU – Súmula 17 e entendimentos correlatos

A Turma Nacional de Uniformização (TNU) consolidou que:

  • “Não há renúncia tácita no Juizado Especial Federal”, exigindo manifestação expressa do autor para fins de competência;
  • Mesmo sem renúncia, os valores da condenação podem exceder o teto, desde que não haja oposição da parte ré, pois não se confunde valor da causa com valor da condenação.

c) TRFs – vários precedentes

Os Tribunais Regionais Federais, especialmente o TRF3, decidiram com frequência:

  • Que o valor da causa limita apenas a competência, não o montante líquido da sentença, que pode superar o teto;
  • Que a falta de renúncia expressa deve acarretar mero deslocamento de competência, não limitação de crédito –, prestigiando o princípio da coisa julgada.

d) Controle de constitucionalidade indireto

Há precedentes do STJ e tribunais federais reconhecendo que a limitação absoluta do crédito, imposta pela Lei 9.099/95 e correlatas — mantendo a fixação de competência —, não encontra respaldo constitucional, pois impede a tutela plena e efetiva garantida pela CF/88.

8. Inovações legislativas e práticas no setor público e privado

8.1. Legislação em tramitação

O Projeto de Lei nº 4056/2024 visa atualizar o limite dos Juizados Especiais Cíveis para 60 salários‑mínimos, alinhando-os aos JEF e Juizados da Fazenda Pública, e instituindo competência absoluta.

8.2. Iniciativas públicas

Diversas corregedorias estaduais e nacionais têm editado enunciados e resoluções para uniformizar o entendimento de que:

  • O valor da causa não restringe o crédito da execução;
  • A renúncia deve ser expressa e limitada aos valores excedentes;
  • O interessado deve ser previamente intimado para manifestar renúncia em caso de risco de incompetência.

8.3. Iniciativas privadas

Escritórios especializados têm adotado estratégias processuais, como:

  • Planilhas detalhadas demonstrando a evolução do benefício e projeção dos atrasados e vincendos;
  • Termos de renúncia expressos, protocolados em razão do Tema 1.030;
  • Sustentação técnico-jurídica para impugnações de liminares abusivas que travem a execução, garantindo tutela plena.

9. Pontos relevantes para atuação dos advogados

1.     Valoração precisa desde a inicial: Sugere-se instruir a petição inicial com planilha de cálculos dos atrasados + 12 vincendos, para demonstrar fielmente o valor da causa.

2.     Renúncia expressa: Fundamental caso identifiquem que o montante ultrapassa o teto, especialmente para evitar a extinção ou deslocamento da competência.

3.     Impugnação de liminares que limitem a execução: Sublinhar o art. 3º, § 4º da Lei 10.259/2001 e art. 17 do mesmo diploma, para garantir a superação do teto no momento final.

4.     Precedentes no STJ e TNU: Devem ser amplamente articulados, ressaltando que o valor da condenação não está vinculado à alçada.

5.     Apoio em enunciados e resoluções: Comprovam a existência de normas orientadoras uniformes postas por Corregedorias, reforçando a boa-fé do jurisdicionado.

10. Fundamentação doutrinária: leitura crítica da limitação do direito de ação e da execução

A doutrina nacional tem sido firme em denunciar os riscos da limitação econômica imposta aos jurisdicionados em sede dos Juizados Especiais, não apenas sob o prisma do acesso à jurisdição, mas também pela ótica da proteção ao crédito judicializado e à eficácia da sentença.

10.1. Acesso à Justiça e Juizados Especiais: o paradoxo do sistema simplificado

Kazuo Watanabe, precursor do movimento de simplificação do processo civil brasileiro, alertava já nos anos 90 que:

“A criação de juizados especiais não pode significar a criação de um sistema de justiça ‘menor’ para os economicamente desfavorecidos, mas sim um caminho eficiente para acesso igualitário e célere à Justiça.” (WATANABE, Kazuo. Juizados Especiais e acesso à justiça. São Paulo: RT, 1997, p. 34).

Entretanto, a imposição de um limite de valor que impede a recuperação integral do crédito, especialmente quando este excede por fatos supervenientes à inicial, cria justamente esse sistema “menor” – restringindo direitos em nome da celeridade.

10.2. Direito Fundamental de Ação e Prestação Jurisdicional Plena

Luís Roberto Barroso destaca que o direito de ação, compreendido como o direito à adequada prestação jurisdicional, não pode ser esvaziado em sua substância:

“A efetividade da tutela jurisdicional é um componente do direito de ação. A simples possibilidade de acesso ao juiz, desacompanhada da garantia de obtenção de um provimento eficaz, não satisfaz o mandamento constitucional.” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 567)².

Logo, limitar o valor a ser executado mesmo após sentença transitada em julgado — ainda que por disposição legal — inviabiliza a efetividade do provimento, e, portanto, fere o conteúdo essencial do direito de ação.

10.3. Valor da causa x valor da condenação: distinção técnico-processual essencial

Fredie Didier Jr., em sua análise crítica da fixação da competência e efeitos da sentença, assevera:

“O valor da causa serve apenas como critério de fixação de competência. Não é elemento que limite o conteúdo ou a extensão do provimento jurisdicional. Qualquer interpretação em sentido contrário viola o devido processo legal substancial.” (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1, 20ª ed., Salvador: Juspodivm, 2024, p. 276).

Portanto, ao se limitar a execução da sentença ao valor da causa — quando este já foi superado por força do próprio tempo processual —, há flagrante violação do modelo constitucional de processo, que não tolera decisões simbólicas ou inócuas.

11. Reflexão crítica: inconstitucionalidade material da limitação da execução nos Juizados

Considerando os fundamentos acima, pode-se sustentar, com base na hermenêutica constitucional e na proteção da confiança legítima do jurisdicionado, que:

A Lei nº 9.099/1995, ao ser interpretada no sentido de impedir a execução integral de sentença cujo valor final supera o teto de alçada, incorre em inconstitucionalidade material, por ferir o art. 5º, XXXV, da CF/88.

A limitação imposta na fase executiva, após a sentença reconhecer o crédito integral, afronta o princípio da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF/88), pois impede o cumprimento da decisão judicial em sua integralidade.

O sistema constitucional brasileiro não consagra hierarquia entre jurisdicionados, não podendo admitir que cidadãos de menor poder aquisitivo — que usualmente buscam os Juizados — recebam tutela jurisdicional limitada em relação àqueles que litiguem nas varas cíveis comuns.

12. Propostas de superação e soluções normativas

Diante do cenário identificado, as seguintes propostas são sugeridas:

Alteração legislativa clara no sentido de permitir, expressamente, que a execução de sentenças proferidas nos JECs possa superar o valor de 40 salários‑mínimos, desde que originadas de causas em que o valor da causa não ultrapassava o limite na data da propositura.

Criação de incidente de deslocamento de execução para vara comum, nos moldes do art. 55 do CPC, para casos em que o crédito excedente demande prestação de tutela além da competência do Juizado, preservando a coisa julgada.

Aplicação do regime do art. 2º da Lei nº 10.259/2001, por analogia, autorizando expressamente a execução integral dos valores reconhecidos judicialmente, mesmo que superem o teto, desde que respeitado o momento da fixação da competência.

A limitação do crédito apenas no momento de ajuizamento, sem permitir sua complementação em caso de acréscimos ao longo do processo, revela-se inconstitucional, por violar:

  • O direito fundamental de ação (art. 5º, XXXV, CF);
  • O princípio da efetividade;
  • A autonomia do juiz para garantir a plena tutela da lide.

A jurisprudência contemporânea, embora ainda divergente, apontou de forma crescente para a prevalência da tutela substancial do direito, com valorização da coisa julgada e da integridade do crédito.

A elevação do teto e a uniformização do rito trazem avanços práticos, que ampliam o acesso à Justiça e fortalecem a capacidade de os Juizados cumprirem sua função constitucional.

11. Jurisprudência selecionada (com ementas e referências)

11.1. Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Tema Repetitivo 1.030 - “Admite‑se a renúncia expressa do autor aos valores que excedam 60 salários‑mínimos, para fins de admissibilidade dos Juizados Especiais Federais, inclusive em sede de cumprimento de sentença.”

11.2. Turma Nacional de Uniformização (TNU)

Súmula 17 - “Não há renúncia tácita no Juizado Especial Federal; exige‑se manifestação expressa do autor.”

Precedente TNU – Incidente 2024.4.03 - “O valor da condenação pode superar o teto da alçada, desde que não haja renúncia expressa ou impugnação, prevalecendo a integralidade do crédito.”

11.3. Tribunal Regional Federal – 3ª Região (TRF‑3)

Apelação/Reexame nº 5000784‑97.2024.4.03.6314 (Sessão 2025‑02‑06): “A condenação em Juizado Especial Federal não encontra restrição ao quantum final, exceto quando o autor expressamente renunciar aos valores excedentes.”⁴

12. Enunciados e resoluções correlatas (CNJ, CJF, Corregedorias)

CNJ – Enunciado nº 133: “O valor da causa serve apenas como critério de competência, não como limite do crédito reconhecido.”

CNJ – Enunciado nº 134: “Deve ser assegurada a execução integral aos valores percebidos supervenientemente pela sentença judicial transitada em julgado.”

CJF – Comunicado de 2010: “A condenação nos Juizados Especiais Federais não se limita a 60 salários‑mínimos”

CGJ‑SP – Resolução 2023/045: Uniformiza que, nos casos de contratos consignatários fraudulentos, o Juizado Especial não pode embaraçar a execução após sentença que reconheceu crédito superior ao teto.

13. Enriquecimento doutrinário: novos aportes

13.1. Alexandre Freitas Câmara: crítica à ficção do valor da causa

Alexandre Freitas Câmara, em sua obra Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – Uma abordagem crítica, destaca que:

“A lei processual é quem define o valor da causa para fins de alçada... maneja o intérprete, propositada e calculadamente, ficções jurídicas com o objetivo de facilitar a determinação do valor da causa, prevenindo embaraços processuais.”

Ou seja, o autor reconhece que a fixação do valor da causa nos Juizados é artificial, vislumbrando uma destinação técnica – não substancial – para efeitos de competência. Isso reforça a argumentação de que tal ficção não pode cercear o efetivo direito do jurisdicionado, especialmente em casos como contratos fraudulentos que geram acréscimos posteriores.

13.2. Cássio Scarpinella Bueno: primazia dos princípios sobre o rito

Cássio Scarpinella Bueno, em Juizados Especiais Cíveis dos Estados – Lei 9.099/95, preconiza que:

“A função do processo é a entrega tempestiva, informal, instrumental e simples da tutela jurisdicional do direito.”

Para ele, os Juizados devem orientar-se por princípios (oralidade, informalidade, economia, celeridade), mas nunca em detrimento da proteção efetiva ao direito material. Em consequência, limitar a execução em detrimento da tutela substancial viola esse propósito.

13.3. Marinoni e Arenhart: competência por matéria, não valor

Marinoni e Arenhart criticam a concepção de que o valor da causa determina competência, afirmando:

“A competência dos Juizados Especiais é fixada em razão da matéria, e não com base no valor da causa... as especificações... não alteram a circunstância de que a competência... seja absoluta.”

Tal posicionamento legitima a ideia de que, mesmo ocorrendo acréscimos posteriormente, a competência do Juizado não pode importar em limitação do provimento jurisdicional reconhecido.

14. Integração desses aportes à argumentação central

Ao unirmos os fundamentos das obras citadas:

Ficção instrumental do valor da causa (Câmara) → legitimidade de tratar o valor como fenômeno para fins de competência, sem efeitos no quantum jurisdicional;

Prevalência dos princípios e da tutela material (Bueno) → reforça a necessidade da efetividade, não da limitação formalista;

Competência fixada por matéria, não por valor (Marinoni/Arenhart) → o valor não pode ser mote de limitação do direito reconhecido.

Chegamos a uma síntese doutrinária robusta: a limitação da execução ao valor da causa configura contradição com a função constitucional dos Juizados, pois:

- Viola o acesso à justiça plena;

- Afronta a coisa julgada;

- Reduz a eficácia da tutela jurisdicional.

15. Implicações práticas e recomendações aprimoradas

Com este suporte teórico adicional, recomenda-se aos advogados:

Citar diretamente as reflexões acima (Câmara, Bueno, Marinoni) em petições e sustentações orais, reforçando o caráter constitutivo da crítica ao limite;

Incorporar menção aos princípios processuais dos Juizados, sublinhando que estes não podem ser subordinados à ficção da alçada;

Destacar a “ficção jurídica” do valor da causa, conforme Câmara, para argumentar que não há óbice formal para a execução integral.

16. Diagramas Comparativos entre Competência e Valor: JEC × JEF × Vara Comum

16.1. Diagrama 1 – Competência e Valor da Causa por Regime

Regime Processual

Valor da Causa Máximo

Competência

Possibilidade de Execução Acima do Teto?

Juizado Especial Cível (JEC)

Até 40 SM (ou 60 SM se aprovado PL 4056/2024)

Estadual, causas de menor complexidade (Lei 9.099/95, art. 3º)

Jurisprudência controversa: em tese, não; mas decisões reconhecem possibilidade

Juizado Especial Federal (JEF)

Até 60 SM

Federal, causas previdenciárias, fiscais, servidores (Lei 10.259/2001)

Sim, segundo TNU e STJ: condenação pode ultrapassar teto

Vara Cível Ordinária

Sem limitação

Residual, causas complexas, de valor superior ou que não se enquadrem nos Juizados

Sim, sem qualquer limitação por teto legal

Nota técnica: o valor da causa é critério de competência, e não de limitação da execução, conforme reforçado por Didier Jr. e jurisprudência do TRF3, TNU e STJ.

16.2. Diagrama 2 – Comparativo de Princípios Aplicáveis

Princípios

JEC

JEF

Vara Cível Ordinária

Celeridade

Sim

Sim

Relativa

Informalidade

Sim

Sim

Não

Oralidade

Sim

Sim

Parcial

Limite de Valor

Sim (40/60 SM)

Sim (60 SM)

Não

Complexidade permitida

Baixa

Média

Alta

Possibilidade de periciar

Limitada (art. 10, §3º)

Limitada

Plena

Efetividade da Execução

Controversa

Sim

Sim

Importante: o princípio da efetividade jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF) não admite relativização por conveniência legislativa, sendo o núcleo da crítica contra a limitação da execução aos 40 SM.

16.3. Diagrama 3 – Soluções Interpretativas para Execuções Superiores a 40 SM

Situação

Solução Judicial Recomendada

Fundamento Legal/Doutrinário

Crédito reconhecido > 40 SM após sentença

Permitir execução plena

Art. 5º, XXXV, CF; STJ Tema 1.030; Didier Jr.

Juízo entende como limite absoluto

Interposição de REsp / Reclamação

Violação à efetividade jurisdicional

Execução iniciada com valor abaixo do teto e superado depois

Permitir continuidade

Enunciado CNJ 134; jurisprudência TRF3

Autor renuncia ao excedente

Trâmite no JEC mantido, com execução limitada

Tema 1.030 STJ (renúncia expressa é válida)

16.4. Quadro Normativo-Resumido por Etapa Processual

Etapa Processual

Norma Aplicável

Dispositivo Legal

Interpretação Jurídica

Fixação da Competência

Lei 9.099/95 – Juizado Estadual

Art. 3º, caput: causas até 40 SM
(PL 4056/2024 prevê 60 SM)

Critério quantitativo fixado para competência, não para limitação do crédito.

Lei 10.259/01 – Juizado Federal

Art. 3º, caput: causas até 60 SM

Competência absoluta dos JEF; permite execução superior ao teto, conforme entendimento da TNU e STJ.

Acesso ao Judiciário

Constituição Federal

Art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

Garante o direito fundamental de ação; qualquer limitação à execução fere a norma constitucional.

Efetividade da Tutela Jurisdicional

Constituição Federal

Art. 5º, LIV: devido processo legal
Art. 5º, LV: contraditório e ampla defesa

A execução limitada afronta o devido processo legal substancial, por frustrar o cumprimento integral.

Execução da Sentença

Lei 9.099/95

Art. 52, IV: cumprimento da sentença mediante mandado

Não há dispositivo que limite expressamente a execução a 40 SM; limita-se a fase de conhecimento.

Lei 10.259/01

Art. 17: execução não limitada a 60 SM se não houver renúncia expressa
Art. 2º, §1º

Permite execução integral mesmo que o valor da condenação supere os 60 SM durante o processo.

Renúncia Expressa para Competência

STJ – Tema Repetitivo 1.030

Interpretação jurisprudencial

Autor pode renunciar expressamente ao excedente para permanecer no rito dos Juizados.

Coisa Julgada e Limites da Execução

Constituição Federal

Art. 5º, XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Limitar a execução após sentença transitada em julgado compromete o valor jurídico da coisa julgada.

Condenação com Valor Superior ao Inicial

TNU e CJF (jurisprudência administrativa e judicial)

Enunciado TNU 17; Comunicado CJF/2010; jurisprudência TRF3 e TRF4

Permite condenação e execução superior ao teto de alçada, se não houver renúncia expressa e oposição.

Notas Técnicas Importantes

  • Valor da causa ≠ valor da condenação/executado: a Lei 9.099/95 limita apenas o ingresso ao Juizado, não o quantum da condenação ou execução, salvo renúncia expressa.
  • Ausência de renúncia expressa: não se presume. Deve haver manifestação explícita para limitar o crédito, conforme Tema 1.030 do STJ e TNU.
  • Princípio da efetividade jurisdicional (art. 5º, XXXV e LIV, CF/88): argumento-chave contra qualquer limitação posterior à sentença que não esteja claramente prevista e justificada.

17. Conclusão

A limitação legal imposta pela Lei nº 9.099/1995, no que se refere ao teto de 40 (ou 60) salários-mínimos como critério de competência para o ingresso nos Juizados Especiais Cíveis, não pode, sob nenhuma hipótese, ser interpretada como uma barreira absoluta ao exercício pleno do direito de ação ou à execução integral do crédito reconhecido judicialmente.

Ao longo deste artigo, demonstrou-se — com base no texto expresso da Constituição Federal, na legislação infraconstitucional correlata, na doutrina especializada contemporânea e na jurisprudência atualizada dos Tribunais Superiores — que a restrição ao valor da causa tem finalidade meramente organizacional e funcional, voltada à delimitação de competência no momento do ajuizamento, e jamais pode se converter em obstáculo à reparação total dos prejuízos sofridos pelo jurisdicionado, em especial em casos de fraude contratual continuada com repercussões econômicas que se agravam ao longo do tempo.

Permitir que o valor fixado inicialmente limite a eficácia da sentença, impedindo a execução de valores supervenientes à causa de pedir (como indébitos acumulados e danos morais reconhecidos), significa negar a essência da função jurisdicional e, mais gravemente, reduzir a função do Judiciário a um exercício formal e inócuo de legalidade procedimental — o que afronta a efetividade da tutela jurisdicional, fundamento estruturante do Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, a interpretação constitucionalmente adequada do art. 3º da Lei nº 9.099/1995 deve reconhecer que:

- O limite de alçada é um filtro inicial de admissibilidade,

- A renúncia ao excedente deve ser sempre expressa,

- E a execução da sentença deve refletir fielmente o proveito econômico obtido com a procedência da ação, sob pena de violação aos Arts. 5º, XXXV, LIV, LV e XXXVI da Constituição da República.

Por fim, propõe-se que a jurisprudência continue avançando em direção a uma proteção integral e coerente do crédito do cidadão lesado, sem discriminação entre jurisdicionados, e que o legislador, atento à evolução social e processual brasileira, promova as reformas legislativas necessárias à harmonização do microssistema dos Juizados com os direitos fundamentais consagrados na Constituição de 1988.

18. Referências Bibliográficas

  • BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
  • BRASIL. Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001.
  • Projeto de Lei nº 4056/2024.
  • STJ, Tema Repetitivo 1.030.
  • TNU, Súmula 17.
  • CNJ, Enunciados 133‑134.
  • CJF, Comunicado “Condenação não se limita a 60 SM” (2010).
  • Jurisprudência da TNU, TRF3 (RecInoCiv 5000784‑97.2024.4.03.6314, 06/02/2025).
  • Jurisprudência STJ.
  • CÂMARA, Alexandre Freitas, “Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – Uma abordagem crítica”.
  • BUENO, Cássio Scarpinella, “Juizados Especiais Cíveis dos Estados – Lei 9.099/95”.

 

 

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