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A INCONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS ACIMA DE 40 e 60 SALÁRIOS-MÍNIMOS, NA HIPÓTESE DE AÇÕES ORIUNDAS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS (JEC), E JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS (JEF), RESPECTIVAMENTE, COMO LIMITAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE AÇÃO IMPOSTA PELAS LEIS DE REGÊNCIA, À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A INCONSTITUCIONALIDADE DA
LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS ACIMA DE 40 e 60 SALÁRIOS-MÍNIMOS, NA HIPÓTESE DE AÇÕES
ORIUNDAS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS (JEC), E JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS
(JEF), RESPECTIVAMENTE, COMO LIMITAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE AÇÃO
IMPOSTA PELAS LEIS DE REGÊNCIA, À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
PROFESSOR CARLOS ALEXANDRE
MOREIRA
1. Resumo
Resumo
Este artigo analisa, com
profundidade, a constitucionalidade da limitação imposta pela Lei
nº 9.099/1995, que restringe ao montante de até 40 (quarenta) salários‑mínimos
o crédito exigível via Juizado Especial Cível, ainda que superados durante o
trâmite processual em razão de fraudes contratuais, descontos previdenciários
ou acréscimos legais. Avalia-se se referida restrição fere o princípio do
acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF/88, bem como o direito
fundamental ao contraditório e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 5º, LIV e
LV). O estudo acompanha a evolução legislativa, os projetos em curso, a
doutrina contemporânea e a jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Demonstra-se a existência de tendências inovadoras – no âmbito público e
privado – que buscam eliminar barreiras legais e ampliar a efetividade do
direito de ação e de execução. Ao final, apresentam-se recomendações práticas
para advogados e legisladores.
Abstract
This article provides a
comprehensive analysis of the constitutional implications of the 40‑minimum‑wage
cap imposed by Law 9.099/1995 on claims in the Small Claims Courts (Juizados
Especiais Cíveis), particularly in cases where post‑filing accruals—e.g. due to
contractual frauds or pension deductions—exceed the limit. It examines whether
such restriction violates the access to justice principle (art.5, XXXV, CF/88)
and the right to effective jurisdictional protection. The paper traces
legislative developments, current initiatives, contemporary doctrine and
Superior Court precedents. It highlights ongoing public and private innovations
aimed at enhancing procedural fairness. Finally, the article offers practical
guidance for practitioners and policymakers.
Palavras‑chave
Acesso à Justiça; Juizados
Especiais Cíveis; Constituição Federal; Limite de 40 salários‑mínimos; Direito
de Ação; Execução de Sentença; Fraude Contratual; Direito Processual Civil.
Keywords
Access to Justice; Small Claims
Courts; Federal Constitution; 40-Minimum-Wage Limit; Right of Action; Judgment
Enforcement; Contractual Fraud; Civil Procedure Law.
2. Sumário
1. Introdução
2. Limite de valor no JEC:
finalidade e crítica
3. A natureza jurídica do direito de
ação e sistema de Juizados
4. Análise Constitucional: princípio
da inafastabilidade e efetividade da tutela
5. Legislação correlata e projetos
em tramitação
6. Evolução doutrinária
7. Jurisprudência relevante dos
Tribunais Superiores
8. Inovações legislativas e práticas
no setor público e privado
9. Pontos relevantes para atuação
dos advogados
10. Conclusão
11. Bibliografia
3. Introdução
O instituto dos Juizados
Especiais Cíveis (JEC), regulado pela Lei nº 9.099/1995, foi criado a partir de
mandamento constitucional expresso (art. 98, I, CF). O objetivo foi promover
solução alternativa, célere e informal de conflitos de menor complexidade, com
acesso facilitado ao jurisdicionado.
Para tanto, a lei impõe dois
limites à admissão da demanda: (i) quantitativo – até 40 salários-mínimos
(atualizado por projeto em exame ao patamar de 60 SM) ¹; (ii) qualitativo –
causa prevista no art. 3º, II‑IV. A controvérsia se origina quando, superada a
causa de pedir ou decorrentes da própria execução, o crédito excede o teto
inicialmente fixado.
Neste contexto, emerge a situação
paradigmática do ajuizamento visando suspender a exigibilidade de contratos
fraudulentos que oneram benefícios previdenciários: embora o valor inicial seja
inferior a 40 SM, posteriormente torna‑se superior. Na fase de execução,
limita-se o recebimento ao valor inicialmente estipulado, interpretando a cifra
como “teto absoluto”, e não de competência. Tal postura suscita graves
questionamentos constitucionais, ao tolher o direito à solução integral do
litígio.
4. Limite de valor no JEC:
finalidade e crítica
O art. 3º, caput, da Lei
nº 9.099/1995 subordina os JEC a causas cujo valor não exceda 40 SM (em breve
60 SM por projeto), exceto quando atender ao critério qualitativo.
Entretanto, a fixação do teto foi
meramente voltada ao delimitar a competência, não o montante máximo da
condenação.
A Turma Nacional de
Uniformização, no âmbito dos JEF, reconheceu capacidade de condenação superior
ao teto inicial, quanto a atrasados supervenientes possível receber valores não
computados no ajuizamento, com juros e correção.
Esse entendimento sublinha que o
limite serve apenas à delimitação, e não à supressão do crédito jus exigendi
devido ao jurisdicionado.
5. Direito Constitucional à Ação
e ao Acesso à Justiça
5.1. Ação como direito
fundamental
Conforme art. 5º, XXXV, CF/88, “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Tal dispositivo consagra o direito fundamental à ação, entendido como hipótese
de ingresso em juízo, acesso ao processo e, por consequência, à execução
integral do julgado.
5.2. Efetividade da tutela e
contraditório
Ademais, os arts. 5º, LIV e LV,
asseguram o devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Limitar a
condenação materialmente, por imposição legal, contraria o princípio
constitucional da efetividade do provimento jurisdicional.
6. Legislação correlata e
projetos em tramitação
O Projeto de Lei nº 4056/2024, em
trâmite na Câmara, propõe:
- Elevação
do teto competência de 40 para 60 SM para causas de menor complexidade;
- Atribuição
de competência absoluta aos JEC para causas até 60 SM;
- Possibilidade
de custas e honorários acima de 20 SM.
Essas mudanças revelam tendência
legislativa de modernização e reconhecimento da necessidade de adaptabilidade
do sistema, sem, porém, suprimir o direito à execução plena.
A proposta equipara o teto ao
praticado pelos JEF e Fazendas Públicas, atualmente cerca de R$ 91.080,00 (60
SM).
7. Jurisprudência relevante dos
Tribunais Superiores
A jurisprudência nacional,
sobretudo dos Juizados Especiais Federais (JEF) e do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), consolidou o entendimento de que o valor da condenação pode
ultrapassar o limite de alçada, ainda que o valor da causa – atribuído na
petição inicial – esteja abaixo de 40 salários-mínimos.
a) STJ – Tema repetitivo 1.030
O STJ firmou tese, no julgamento
do Tema 1.030 (Incidente de Recursos Repetitivos), permitindo que o autor
renuncie expressamente aos valores que excedam 60 salários-mínimos, até
mesmo considerando as 12 prestações vincendas, para fins de evitar a
incompetência do Juizado Especial Federal.
b) TNU – Súmula 17 e
entendimentos correlatos
A Turma Nacional de Uniformização
(TNU) consolidou que:
- “Não
há renúncia tácita no Juizado Especial Federal”, exigindo manifestação
expressa do autor para fins de competência;
- Mesmo
sem renúncia, os valores da condenação podem exceder o teto, desde
que não haja oposição da parte ré, pois não se confunde valor da causa com
valor da condenação.
c) TRFs – vários precedentes
Os Tribunais Regionais Federais,
especialmente o TRF3, decidiram com frequência:
- Que
o valor da causa limita apenas a competência, não o montante líquido da
sentença, que pode superar o teto;
- Que
a falta de renúncia expressa deve acarretar mero deslocamento de
competência, não limitação de crédito –, prestigiando o princípio da coisa
julgada.
d) Controle de
constitucionalidade indireto
Há precedentes do STJ e tribunais
federais reconhecendo que a limitação absoluta do crédito, imposta pela Lei
9.099/95 e correlatas — mantendo a fixação de competência —, não encontra
respaldo constitucional, pois impede a tutela plena e efetiva garantida
pela CF/88.
8. Inovações legislativas e
práticas no setor público e privado
8.1. Legislação em tramitação
O Projeto de Lei nº 4056/2024
visa atualizar o limite dos Juizados Especiais Cíveis para 60 salários‑mínimos,
alinhando-os aos JEF e Juizados da Fazenda Pública, e instituindo competência
absoluta.
8.2. Iniciativas públicas
Diversas corregedorias estaduais
e nacionais têm editado enunciados e resoluções para uniformizar o
entendimento de que:
- O
valor da causa não restringe o crédito da execução;
- A
renúncia deve ser expressa e limitada aos valores excedentes;
- O
interessado deve ser previamente intimado para manifestar renúncia em
caso de risco de incompetência.
8.3. Iniciativas privadas
Escritórios especializados têm
adotado estratégias processuais, como:
- Planilhas
detalhadas demonstrando a evolução do benefício e projeção dos atrasados e
vincendos;
- Termos
de renúncia expressos, protocolados em razão do Tema 1.030;
- Sustentação
técnico-jurídica para impugnações de liminares abusivas que travem a
execução, garantindo tutela plena.
9. Pontos relevantes para atuação
dos advogados
1. Valoração precisa desde a inicial: Sugere-se instruir a petição
inicial com planilha de cálculos dos atrasados + 12 vincendos, para demonstrar
fielmente o valor da causa.
2. Renúncia expressa: Fundamental caso identifiquem
que o montante ultrapassa o teto, especialmente para evitar a extinção ou
deslocamento da competência.
3. Impugnação de liminares que
limitem a execução: Sublinhar
o art. 3º, § 4º da Lei 10.259/2001 e art. 17 do mesmo diploma, para garantir a
superação do teto no momento final.
4. Precedentes no STJ e TNU: Devem ser amplamente
articulados, ressaltando que o valor da condenação não está vinculado à alçada.
5. Apoio em enunciados e resoluções: Comprovam a existência de normas
orientadoras uniformes postas por Corregedorias, reforçando a boa-fé do
jurisdicionado.
10. Fundamentação doutrinária:
leitura crítica da limitação do direito de ação e da execução
A doutrina nacional tem sido firme em denunciar os
riscos da limitação econômica imposta aos jurisdicionados em sede dos Juizados
Especiais, não apenas sob o prisma do acesso à jurisdição, mas também pela
ótica da proteção ao crédito judicializado e à eficácia da sentença.
10.1. Acesso à Justiça e Juizados
Especiais: o paradoxo do sistema simplificado
Kazuo Watanabe, precursor do movimento de simplificação
do processo civil brasileiro, alertava já nos anos 90 que:
“A criação de juizados especiais
não pode significar a criação de um sistema de justiça ‘menor’ para os
economicamente desfavorecidos, mas sim um caminho eficiente para acesso
igualitário e célere à Justiça.” (WATANABE, Kazuo. Juizados Especiais e acesso
à justiça. São Paulo: RT, 1997, p. 34).
Entretanto, a imposição de um limite de valor que
impede a recuperação integral do crédito, especialmente quando este excede por
fatos supervenientes à inicial, cria justamente esse sistema “menor” –
restringindo direitos em nome da celeridade.
10.2. Direito Fundamental de Ação
e Prestação Jurisdicional Plena
Luís Roberto Barroso destaca que o direito de ação,
compreendido como o direito à adequada prestação jurisdicional, não pode ser
esvaziado em sua substância:
“A efetividade da tutela
jurisdicional é um componente do direito de ação. A simples possibilidade de
acesso ao juiz, desacompanhada da garantia de obtenção de um provimento eficaz,
não satisfaz o mandamento constitucional.” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de
Direito Constitucional Contemporâneo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p.
567)².
Logo, limitar o valor a ser executado mesmo após
sentença transitada em julgado — ainda que por disposição legal — inviabiliza a
efetividade do provimento, e, portanto, fere o conteúdo essencial do direito de
ação.
10.3. Valor da causa x valor da
condenação: distinção técnico-processual essencial
Fredie Didier Jr., em sua análise crítica da fixação
da competência e efeitos da sentença, assevera:
“O valor da causa serve apenas
como critério de fixação de competência. Não é elemento que limite o conteúdo
ou a extensão do provimento jurisdicional. Qualquer interpretação em sentido
contrário viola o devido processo legal substancial.” (DIDIER JR., Fredie.
Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1, 20ª ed., Salvador: Juspodivm, 2024,
p. 276).
Portanto, ao se limitar a execução da sentença ao
valor da causa — quando este já foi superado por força do próprio tempo
processual —, há flagrante violação do modelo constitucional de processo, que
não tolera decisões simbólicas ou inócuas.
11. Reflexão crítica: inconstitucionalidade
material da limitação da execução nos Juizados
Considerando os fundamentos acima, pode-se
sustentar, com base na hermenêutica constitucional e na proteção da confiança
legítima do jurisdicionado, que:
A Lei nº 9.099/1995, ao ser interpretada no sentido
de impedir a execução integral de sentença cujo valor final supera o teto de
alçada, incorre em inconstitucionalidade material, por ferir o art. 5º, XXXV,
da CF/88.
A limitação imposta na fase executiva, após a
sentença reconhecer o crédito integral, afronta o princípio da coisa julgada
(art. 5º, XXXVI, CF/88), pois impede o cumprimento da decisão judicial em sua
integralidade.
O sistema constitucional brasileiro não consagra
hierarquia entre jurisdicionados, não podendo admitir que cidadãos de menor
poder aquisitivo — que usualmente buscam os Juizados — recebam tutela
jurisdicional limitada em relação àqueles que litiguem nas varas cíveis comuns.
12. Propostas de superação e
soluções normativas
Diante do cenário identificado, as seguintes propostas
são sugeridas:
Alteração legislativa clara no sentido de permitir,
expressamente, que a execução de sentenças proferidas nos JECs possa superar o
valor de 40 salários‑mínimos, desde que originadas de causas em que o valor da
causa não ultrapassava o limite na data da propositura.
Criação de incidente de deslocamento de execução
para vara comum, nos moldes do art. 55 do CPC, para casos em que o crédito
excedente demande prestação de tutela além da competência do Juizado,
preservando a coisa julgada.
Aplicação do regime do art. 2º da Lei nº
10.259/2001, por analogia, autorizando expressamente a execução integral dos
valores reconhecidos judicialmente, mesmo que superem o teto, desde que
respeitado o momento da fixação da competência.
A limitação do crédito apenas no
momento de ajuizamento, sem permitir sua complementação em caso de acréscimos
ao longo do processo, revela-se inconstitucional, por violar:
- O direito
fundamental de ação (art. 5º, XXXV, CF);
- O
princípio da efetividade;
- A
autonomia do juiz para garantir a plena tutela da lide.
A jurisprudência contemporânea,
embora ainda divergente, apontou de forma crescente para a prevalência da
tutela substancial do direito, com valorização da coisa julgada e da
integridade do crédito.
A elevação do teto e a
uniformização do rito trazem avanços práticos, que ampliam o acesso à Justiça e
fortalecem a capacidade de os Juizados cumprirem sua função constitucional.
11. Jurisprudência selecionada
(com ementas e referências)
11.1. Superior Tribunal de
Justiça (STJ)
Tema Repetitivo 1.030 - “Admite‑se a renúncia
expressa do autor aos valores que excedam 60 salários‑mínimos, para fins de
admissibilidade dos Juizados Especiais Federais, inclusive em sede de
cumprimento de sentença.”
11.2. Turma Nacional de
Uniformização (TNU)
Súmula 17 - “Não há renúncia tácita no Juizado
Especial Federal; exige‑se manifestação expressa do autor.”
Precedente TNU – Incidente 2024.4.03 - “O valor da
condenação pode superar o teto da alçada, desde que não haja renúncia expressa
ou impugnação, prevalecendo a integralidade do crédito.”
11.3. Tribunal Regional Federal –
3ª Região (TRF‑3)
Apelação/Reexame nº 5000784‑97.2024.4.03.6314
(Sessão 2025‑02‑06): “A condenação em Juizado Especial Federal não encontra
restrição ao quantum final, exceto quando o autor expressamente renunciar aos
valores excedentes.”⁴
12. Enunciados e resoluções
correlatas (CNJ, CJF, Corregedorias)
CNJ – Enunciado nº 133: “O valor da causa serve
apenas como critério de competência, não como limite do crédito reconhecido.”
CNJ – Enunciado nº 134: “Deve ser assegurada a
execução integral aos valores percebidos supervenientemente pela sentença judicial
transitada em julgado.”
CJF – Comunicado de 2010: “A condenação nos Juizados
Especiais Federais não se limita a 60 salários‑mínimos”
CGJ‑SP – Resolução 2023/045: Uniformiza que, nos
casos de contratos consignatários fraudulentos, o Juizado Especial não pode
embaraçar a execução após sentença que reconheceu crédito superior ao teto.
13. Enriquecimento doutrinário:
novos aportes
13.1. Alexandre Freitas Câmara:
crítica à ficção do valor da causa
Alexandre Freitas Câmara, em sua obra Juizados
Especiais Cíveis Estaduais e Federais – Uma abordagem crítica, destaca que:
“A lei processual é quem define o
valor da causa para fins de alçada... maneja o intérprete, propositada e
calculadamente, ficções jurídicas com o objetivo de facilitar a determinação do
valor da causa, prevenindo embaraços processuais.”
Ou seja, o autor reconhece que a fixação do valor da
causa nos Juizados é artificial, vislumbrando uma destinação técnica – não
substancial – para efeitos de competência. Isso reforça a argumentação de que
tal ficção não pode cercear o efetivo direito do jurisdicionado, especialmente
em casos como contratos fraudulentos que geram acréscimos posteriores.
13.2. Cássio Scarpinella Bueno:
primazia dos princípios sobre o rito
Cássio Scarpinella Bueno, em Juizados Especiais
Cíveis dos Estados – Lei 9.099/95, preconiza que:
“A função do processo é a entrega
tempestiva, informal, instrumental e simples da tutela jurisdicional do
direito.”
Para ele, os Juizados devem orientar-se por
princípios (oralidade, informalidade, economia, celeridade), mas nunca em
detrimento da proteção efetiva ao direito material. Em consequência, limitar a
execução em detrimento da tutela substancial viola esse propósito.
13.3. Marinoni e Arenhart:
competência por matéria, não valor
Marinoni e Arenhart criticam a concepção de que o
valor da causa determina competência, afirmando:
“A competência dos Juizados
Especiais é fixada em razão da matéria, e não com base no valor da causa... as
especificações... não alteram a circunstância de que a competência... seja
absoluta.”
Tal posicionamento legitima a ideia de que, mesmo
ocorrendo acréscimos posteriormente, a competência do Juizado não pode importar
em limitação do provimento jurisdicional reconhecido.
14. Integração desses aportes à
argumentação central
Ao unirmos os fundamentos das obras citadas:
Ficção instrumental do valor da causa (Câmara) →
legitimidade de tratar o valor como fenômeno para fins de competência, sem
efeitos no quantum jurisdicional;
Prevalência dos princípios e da tutela material
(Bueno) → reforça a necessidade da efetividade, não da limitação formalista;
Competência fixada por matéria, não por valor
(Marinoni/Arenhart) → o valor não pode ser mote de limitação do direito
reconhecido.
Chegamos a uma síntese doutrinária robusta: a
limitação da execução ao valor da causa configura contradição com a função
constitucional dos Juizados, pois:
- Viola
o acesso à justiça plena;
- Afronta
a coisa julgada;
- Reduz
a eficácia da tutela jurisdicional.
15. Implicações práticas e
recomendações aprimoradas
Com este suporte teórico adicional, recomenda-se aos
advogados:
Citar diretamente as reflexões acima (Câmara, Bueno,
Marinoni) em petições e sustentações orais, reforçando o caráter constitutivo
da crítica ao limite;
Incorporar menção aos princípios processuais dos
Juizados, sublinhando que estes não podem ser subordinados à ficção da alçada;
Destacar a “ficção jurídica” do valor da causa,
conforme Câmara, para argumentar que não há óbice formal para a execução
integral.
16. Diagramas Comparativos entre Competência e
Valor: JEC × JEF × Vara Comum
16.1. Diagrama 1 – Competência e Valor da Causa por
Regime
Regime Processual |
Valor da Causa Máximo |
Competência |
Possibilidade de Execução Acima do Teto? |
Juizado Especial Cível (JEC) |
Até 40 SM (ou 60 SM se aprovado PL 4056/2024) |
Estadual, causas de menor complexidade (Lei
9.099/95, art. 3º) |
Jurisprudência controversa: em tese, não;
mas decisões reconhecem possibilidade |
Juizado Especial Federal (JEF) |
Até 60 SM |
Federal, causas previdenciárias, fiscais,
servidores (Lei 10.259/2001) |
Sim, segundo TNU e STJ: condenação pode ultrapassar
teto |
Vara Cível Ordinária |
Sem limitação |
Residual, causas complexas, de valor superior ou
que não se enquadrem nos Juizados |
Sim, sem qualquer limitação por teto legal |
Nota
técnica: o valor
da causa é critério de competência, e não de limitação da execução,
conforme reforçado por Didier Jr. e jurisprudência do TRF3, TNU e STJ.
16.2. Diagrama 2 – Comparativo de Princípios Aplicáveis
Princípios |
JEC |
JEF |
Vara Cível Ordinária |
Celeridade |
Sim |
Sim |
Relativa |
Informalidade |
Sim |
Sim |
Não |
Oralidade |
Sim |
Sim |
Parcial |
Limite de Valor |
Sim (40/60 SM) |
Sim (60 SM) |
Não |
Complexidade permitida |
Baixa |
Média |
Alta |
Possibilidade de periciar |
Limitada (art. 10, §3º) |
Limitada |
Plena |
Efetividade da Execução |
Controversa |
Sim |
Sim |
Importante: o princípio da efetividade
jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF) não admite relativização por conveniência
legislativa, sendo o núcleo da crítica contra a limitação da execução aos 40
SM.
16.3. Diagrama 3 – Soluções Interpretativas para
Execuções Superiores a 40 SM
Situação |
Solução Judicial Recomendada |
Fundamento Legal/Doutrinário |
Crédito reconhecido > 40 SM após sentença |
Permitir execução plena |
Art. 5º, XXXV, CF; STJ Tema 1.030; Didier Jr. |
Juízo entende como limite absoluto |
Interposição de REsp / Reclamação |
Violação à efetividade jurisdicional |
Execução iniciada com valor abaixo do teto e
superado depois |
Permitir continuidade |
Enunciado CNJ 134; jurisprudência TRF3 |
Autor renuncia ao excedente |
Trâmite no JEC mantido, com execução limitada |
Tema 1.030 STJ (renúncia expressa é válida) |
16.4. Quadro Normativo-Resumido por Etapa
Processual
Etapa Processual |
Norma Aplicável |
Dispositivo Legal |
Interpretação Jurídica |
Fixação da Competência |
Lei 9.099/95 – Juizado Estadual |
Art. 3º, caput: causas até 40 SM |
Critério quantitativo fixado para competência, não
para limitação do crédito. |
Lei 10.259/01 – Juizado Federal |
Art. 3º, caput: causas até 60 SM |
Competência absoluta dos JEF; permite execução
superior ao teto, conforme entendimento da TNU e STJ. |
|
Acesso ao Judiciário |
Constituição Federal |
Art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” |
Garante o direito fundamental de ação; qualquer
limitação à execução fere a norma constitucional. |
Efetividade da Tutela Jurisdicional |
Constituição Federal |
Art. 5º, LIV: devido processo legal |
A execução limitada afronta o devido processo
legal substancial, por frustrar o cumprimento integral. |
Execução da Sentença |
Lei 9.099/95 |
Art. 52, IV: cumprimento da sentença mediante
mandado |
Não há dispositivo que limite expressamente
a execução a 40 SM; limita-se a fase de conhecimento. |
Lei 10.259/01 |
Art. 17: execução não limitada a 60 SM se não
houver renúncia expressa |
Permite execução integral mesmo que o valor da
condenação supere os 60 SM durante o processo. |
|
Renúncia Expressa para Competência |
STJ – Tema Repetitivo 1.030 |
Interpretação jurisprudencial |
Autor pode renunciar expressamente ao
excedente para permanecer no rito dos Juizados. |
Coisa Julgada e Limites da Execução |
Constituição Federal |
Art. 5º, XXXVI: “a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” |
Limitar a execução após sentença transitada em julgado compromete o valor
jurídico da coisa julgada. |
Condenação com Valor Superior ao Inicial |
TNU e CJF (jurisprudência administrativa e
judicial) |
Enunciado TNU 17; Comunicado CJF/2010;
jurisprudência TRF3 e TRF4 |
Permite condenação e execução superior ao teto de
alçada, se
não houver renúncia expressa e oposição. |
Notas Técnicas Importantes
- Valor da causa ≠ valor da
condenação/executado: a Lei 9.099/95 limita apenas o ingresso ao
Juizado, não o quantum da condenação ou execução, salvo renúncia
expressa.
- Ausência de renúncia expressa: não se presume. Deve haver
manifestação explícita para limitar o crédito, conforme Tema 1.030 do STJ
e TNU.
- Princípio da efetividade
jurisdicional
(art. 5º, XXXV e LIV, CF/88): argumento-chave contra qualquer limitação
posterior à sentença que não esteja claramente prevista e justificada.
17. Conclusão
A limitação legal imposta pela Lei nº 9.099/1995, no
que se refere ao teto de 40 (ou 60) salários-mínimos como critério de
competência para o ingresso nos Juizados Especiais Cíveis, não pode, sob
nenhuma hipótese, ser interpretada como uma barreira absoluta ao exercício
pleno do direito de ação ou à execução integral do crédito reconhecido
judicialmente.
Ao longo deste artigo, demonstrou-se — com base no
texto expresso da Constituição Federal, na legislação infraconstitucional
correlata, na doutrina especializada contemporânea e na jurisprudência
atualizada dos Tribunais Superiores — que a restrição ao valor da causa tem
finalidade meramente organizacional e funcional, voltada à delimitação de
competência no momento do ajuizamento, e jamais pode se converter em obstáculo
à reparação total dos prejuízos sofridos pelo jurisdicionado, em especial em
casos de fraude contratual continuada com repercussões econômicas que se
agravam ao longo do tempo.
Permitir que o valor fixado inicialmente limite a
eficácia da sentença, impedindo a execução de valores supervenientes à causa de
pedir (como indébitos acumulados e danos morais reconhecidos), significa negar
a essência da função jurisdicional e, mais gravemente, reduzir a função do
Judiciário a um exercício formal e inócuo de legalidade procedimental — o que
afronta a efetividade da tutela jurisdicional, fundamento estruturante do
Estado Democrático de Direito.
Dessa forma, a interpretação constitucionalmente
adequada do art. 3º da Lei nº 9.099/1995 deve reconhecer que:
- O
limite de alçada é um filtro inicial de admissibilidade,
- A
renúncia ao excedente deve ser sempre expressa,
- E a
execução da sentença deve refletir fielmente o proveito econômico obtido com a
procedência da ação, sob pena de violação aos Arts. 5º, XXXV, LIV, LV e XXXVI
da Constituição da República.
Por fim, propõe-se que a jurisprudência continue
avançando em direção a uma proteção integral e coerente do crédito do cidadão
lesado, sem discriminação entre jurisdicionados, e que o legislador, atento à
evolução social e processual brasileira, promova as reformas legislativas
necessárias à harmonização do microssistema dos Juizados com os direitos
fundamentais consagrados na Constituição de 1988.
18. Referências Bibliográficas
- BRASIL.
Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
- BRASIL.
Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001.
- Projeto
de Lei nº 4056/2024.
- STJ,
Tema Repetitivo 1.030.
- TNU,
Súmula 17.
- CNJ,
Enunciados 133‑134.
- CJF,
Comunicado “Condenação não se limita a 60 SM” (2010).
- Jurisprudência
da TNU, TRF3 (RecInoCiv 5000784‑97.2024.4.03.6314, 06/02/2025).
- Jurisprudência
STJ.
- CÂMARA,
Alexandre Freitas, “Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – Uma
abordagem crítica”.
- BUENO, Cássio Scarpinella, “Juizados Especiais Cíveis dos Estados – Lei 9.099/95”.
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